segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Unificação das Formas de Processo no Contencioso Administrativo

Neste trabalho irei abordar o caminho traçado pelas reformas do contencioso administrativo para a unificação das formas de processo.

A reforma de 2002 (2004) optou pela solução de modelo bipolar, que se constituía por uma Acção Administrativa Comum e uma Acção Administrativa Especial. Ocorreu uma evolução relativa à abertura da jurisdição plena, alargando-se o âmbito tradicional constituído pelos litígios sobre contratos administrativos e responsabilidade civil extracontratual resultante de actos de gestão pública.

Todas as situações que não viessem previstas em matéria especial nem em legislação avulsa competiriam à Acção Administrativa Comum, assumindo esta um papel de acção residual. Para se poder delimitar o âmbito residual, temos de analisar que casos caberiam à Acção Especial. À Acção Administrativa Especial, dirigiam-se as questões referentes aos actos e normas administrativos, que estivessem relacionados com situações destinadas à impugnação de actos e regulamentos administrativos, condenação da Administração à prática de actos e regulamentos devidos.

A doutrina e a jurisprudência também diferenciavam estes dois tipos de acção pelo exercício de poderes de autoridade. Caso estivéssemos perante uma actuação de um ente administrativo no exercício de poderes de autoridade, seria do âmbito da Acção Administrativa Especial, se assim não fosse estaríamos no âmbito da Acção Administrativa Comum, como acção de carácter residual.

É certo que existia um sistema bipolar, contudo essa bipolaridade não era absoluta, designadamente por razoes de aplicação suplectiva da lei de processo civil, e também por não haver uma clara divisão em certos casos entre as acções processuais comum e especial. Por essa razão a doutrina foi bastante crítica quanto ao sistema dual, dividido em Acção Comum e Especial, tanto pelas lacunas como pelas irregularidades do regime.

A favor do modelo bipolar esteve o Professor Sérvulo Correia, sobretudo em nome da diversa natureza das relações jurídicas administrativas que se identificavam no contencioso administrativo “por natureza”, objecto da Acção Administrativa Especial, e “por atribuição”,objecto da Acção Administrativa Comum. Considerava que a manutenção da dualidade de meios processuais principais deveria manter-se, conservando o meio impugnatório como recurso de anulação. Afirmava que a manutenção do sistema bipolar seria uma elementar manifestação de respeito pelo património jurídico-cultural.
Defendia que o sistema unitário era inconveniente pelo facto de se basear essencialmente no processo civil, e este não ter aptidão para sustentar litígios com as especificidades das relações administrativas, que necessitavam de um quadro processual específico.

Por outro lado, a favor do modelo unitário, o Professor Vasco Pereira da Silva sustentava que o legislador não teve verdadeiras razões processuais como fundamento para a implantação desta dualidade, mas sim razões de natureza substantiva geradas pelos “traumas de uma infância difícil” do Direito Administrativo.
O Professor referia que o regime da cumulação de pedidos previsto nos art.º 4 e 5º do CPTA, que permitia a cumulação destes dois tipos de acções, provocava um fenómeno de troca de nomes na medida em que era permitido que a Acção Administrativa Especial, passasse a ser Comum e Acção Administrativa Comum, passasse a ser a Especial, sendo este um problema de delimitação das acções e dos seus âmbitos. Outro problema para o Professor seria a existência de dificuldades terminológicas que surgiam dentro da Acção Administrativa Especial geradas pelos diferentes regimes existentes.

Com a reforma de 2015 (
Decreto-Lei nº214-G/2015, de 2 de Outubro) houve um esforço na medida de criar alguma solução aos problemas acima referidos, de modo a tornar o processo mais prático e célere para aperfeiçoar a actividade dos tribunais e também da justiça administrativa.

Passa agora a vigorar um sistema unitário. O sistema anterior à reforma de 2015 assente na Acção Comum e Especial passa a ser um sistema unificado, assente numa só acção, denominada de Acção Administrativa, presente no artigo 37º do CPTA. Este passa a ser o único meio processual principal não urgente.
Há quem defenda que não se está perante uma verdadeira evolução, visto que a nova acção única ao abarcar todas as situações que pertenciam à Acção Especial e Comum, abrange as regras especificas aplicáveis a cada pedido, sendo isso visível pela observação da estrutura presente no Código, concluem que o novo CPTA mantém grande parte do antigo no tocante ao regime das modalidades da antiga Acção Especial. E apontam como outra razão a existência de muitos preceitos que fazem referência e remissão para o Código de Processo Civil, como acontecia no antigo CPTA. A Acção Administrativa encontra o regime da marcha do processo nos artigos 78º e segs. do CPTA, apresenta um regime unificado, contudo a verdade é que continua a recorrer supletivamente às regras do processo civil, mas o seu carácter suplectivo é claro, não se pretende dar um uso abusivo a esses preceitos, e sim criar um regime de carácter autónomo com normas processuais próprias. Verifica-se assim no novo CPTA uma adaptação das regras das acções do CPTA antigo, das regras do CPC, e dos preceitos inovadores para a criação de um regime autónomo. Neste modelo unitário mas “intrinsecamente misto”, salientam-se como novidades:
  • A consagração genérica, no artigo 85.º-A, da réplica como articulado de resposta do demandado às excepções invocadas pelo Autor.
  • A clarificação da divisão entre despacho pré-saneador e despacho saneador, regulados pelos artigos 87.º e 88.º.
  • A previsão de uma eventual fase de audiência prévia regulada nos artigos 87.-A a 87.º-C, inspirada no regime do processo civil.
  • As alegações escritas passam a ter lugar quando sejam realizadas diligências de prova e devem ser apresentadas de forma simultânea pelas partes - artigo 91.º-A.

Esta unificação sob o ponto de vista da tramitação, como já referimos, não contende com a manutenção das especialidades de cada meio processual não urgente, reflectidas na manutenção de previsões específicas para a impugnação de actos administrativos (artigos 50.º a 65.º), de condenação à prática de actos administrativos (artigos 66.º a 71.º), de impugnação de normas (artigos 72.º a 76.º) e de condenação à emissão de normas (artigo 77.º).

Podemos assim concluir que no seio da nova Acção Administrativa continuam a existir normas particulares e regras especificas consoante o tipo de acção e pedido que o autor faça. Seria difícil que com a Reforma de 2015 a nova acção, como único meio processual, extraísse todas as normas e preceitos das antigas formas de acções do sistema bipolar e não se deixasse influenciar por elas. O novo CPTA contém assim muitos dos preceitos do antigo CPTA, contudo esta reforma revelou-se um grande passo do Contencioso Administrativo para o principal objectivo de criar um regime próprio com total autonomia e independência.




Bibliografia:

-ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Almedina, Coimbra, 2012

-CORREIA, José Manuel Sérvulo, Direito do Contencioso Administrativo, Volume I, Lex, 2005.

-SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo No Divã Da Psicanálise- Ensaio Sobre As Ações No Novo Processo Administrativo, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009.


Textos em suporte digital:

-COIMBRA, José Duarte, A REVISÃO DO CPTA E DO ETAF: A REFORMA DA REFORMA DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO PORTUGUÊS, 5 de outubro de 2015. Disponível em: http://www.servulo.com/xms/files/publicacoes/Updates_2015/Update_Pub_JDC_A_revisao_do_CPTA_e_do_ETAF_a_reforma_da_reforma_do_Contencioso_Administrativo_portugues__6_10_2015.pdf, consultado a 28/11/2015.

-FREITAS, Dinamene de , UNIFICAÇÃO DAS FORMAS DE PROCESSO – ALGUNS ASPETOS DA TRAMITAÇÃO DA AÇÃO ADMINISTRATIVA, In E-PÚBLICA REVISTA ELECTRÓNICA DE DIREITO PÚBLICO, Número 2, 2014. Disponível em: http://e-publica.pt/unificacaodasformas.html, consultado a 28/11/2015

-GOMES, Carla Amado, UMA ACÇÃO CHAMADA… ACÇÃO: APONTAMENTO SOBRE A REDUCTIO AD UNUM (?) PROMOVIDA PELO ANTEPROJECTO DE REVISÃO DO CPTA (E ALGUNS OUTROS DETALHES), In E-PÚBLICA REVISTA ELECTRÓNICA DE DIREITO PÚBLICO, Número 2, 2014. Disponível em: http://e-publica.pt/pdf/artigos/cpta.pdf, consultada a 28/11/2015.


Yulia Dem Yanchuk nº22220

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