Neste
trabalho irei abordar o caminho traçado pelas reformas do contencioso
administrativo para a unificação das formas de processo.
A reforma de 2002 (2004) optou pela solução de modelo bipolar, que se
constituía por uma Acção Administrativa Comum e uma Acção Administrativa Especial.
Ocorreu uma evolução relativa à abertura da jurisdição plena, alargando-se o âmbito
tradicional constituído pelos litígios sobre contratos administrativos e
responsabilidade civil extracontratual resultante de actos de gestão pública.
Todas as situações que não viessem previstas em matéria especial nem em
legislação avulsa competiriam à Acção Administrativa Comum, assumindo esta um
papel de acção residual. Para se poder delimitar o âmbito residual, temos de
analisar que casos caberiam à Acção Especial. À Acção Administrativa Especial,
dirigiam-se as questões referentes aos actos e normas administrativos, que
estivessem relacionados com situações destinadas
à impugnação de actos e regulamentos administrativos, condenação da
Administração à prática de actos e regulamentos devidos.
A doutrina e a jurisprudência também diferenciavam
estes dois tipos de acção pelo exercício de poderes de autoridade. Caso
estivéssemos perante uma actuação de um ente administrativo no exercício de poderes
de autoridade, seria do âmbito da Acção Administrativa Especial, se assim não
fosse estaríamos no âmbito da Acção Administrativa Comum, como acção de
carácter residual.
É certo que existia um sistema bipolar, contudo essa bipolaridade não era
absoluta, designadamente por razoes de aplicação suplectiva da lei de processo
civil, e também por não haver uma clara divisão em certos casos entre as acções
processuais comum e especial. Por essa razão a doutrina foi bastante crítica
quanto ao sistema dual, dividido em Acção Comum e Especial, tanto pelas lacunas
como pelas irregularidades do regime.
A favor do modelo bipolar esteve o Professor Sérvulo
Correia, sobretudo em nome da diversa natureza das relações
jurídicas administrativas que se identificavam no contencioso administrativo
“por natureza”, objecto da Acção Administrativa Especial, e “por atribuição”,objecto
da Acção Administrativa Comum. Considerava que a manutenção da dualidade de
meios processuais principais deveria manter-se, conservando o meio impugnatório
como recurso de anulação. Afirmava que a manutenção do sistema bipolar seria
uma elementar manifestação de respeito pelo património jurídico-cultural.
Defendia que o sistema unitário era inconveniente pelo
facto de se basear essencialmente no processo civil, e este não ter aptidão
para sustentar litígios com as especificidades das relações administrativas,
que necessitavam de um quadro processual específico.
Por outro lado, a favor do modelo unitário, o Professor Vasco Pereira da
Silva sustentava que o legislador não teve verdadeiras razões processuais como
fundamento para a implantação desta dualidade, mas sim razões de natureza
substantiva geradas pelos “traumas de uma infância difícil” do Direito
Administrativo.
O Professor referia que o regime da cumulação de pedidos previsto nos art.º
4 e 5º do CPTA, que permitia a cumulação destes dois tipos de acções, provocava
um fenómeno de troca de nomes na medida em que era permitido que a Acção
Administrativa Especial, passasse a ser Comum e Acção Administrativa Comum,
passasse a ser a Especial, sendo este um problema de delimitação das acções e
dos seus âmbitos. Outro problema para o Professor seria a existência de dificuldades
terminológicas que surgiam dentro da Acção Administrativa Especial geradas pelos
diferentes regimes existentes.
Com a reforma de 2015 (Decreto-Lei nº214-G/2015, de 2 de Outubro) houve um esforço na medida de criar alguma solução aos problemas acima referidos, de modo a tornar o processo mais prático e célere para aperfeiçoar a actividade dos tribunais e também da justiça administrativa.
Passa agora a vigorar um sistema unitário. O sistema anterior à reforma de
2015 assente na Acção Comum e Especial passa a ser um sistema unificado,
assente numa só acção, denominada de Acção Administrativa, presente no artigo
37º do CPTA. Este passa a ser o único meio processual principal não urgente.
Há quem
defenda que não se está perante uma verdadeira evolução, visto que a nova acção
única ao abarcar todas as situações que pertenciam à Acção Especial e Comum,
abrange as regras especificas aplicáveis a cada pedido, sendo isso visível pela
observação da estrutura presente no Código, concluem que o novo CPTA mantém
grande parte do antigo no tocante ao regime das modalidades da antiga Acção Especial.
E apontam como outra razão a existência de muitos preceitos que fazem
referência e remissão para o Código de Processo Civil, como acontecia no antigo
CPTA. A Acção Administrativa encontra o regime da marcha do processo nos
artigos 78º e segs. do CPTA, apresenta um regime unificado, contudo a verdade é
que continua a recorrer supletivamente às regras do processo civil, mas o seu carácter suplectivo é claro, não se pretende dar um uso abusivo a esses
preceitos, e sim criar um regime de carácter autónomo com normas processuais
próprias. Verifica-se assim no novo CPTA uma adaptação das regras das acções do CPTA antigo, das regras do CPC, e dos preceitos inovadores para a criação de um
regime autónomo. Neste modelo unitário mas
“intrinsecamente misto”, salientam-se como novidades:
- A consagração genérica, no artigo 85.º-A, da réplica como articulado de resposta do demandado às excepções invocadas pelo Autor.
- A clarificação da divisão entre despacho pré-saneador e despacho saneador, regulados pelos artigos 87.º e 88.º.
- A previsão de uma eventual fase de audiência prévia regulada nos artigos 87.-A a 87.º-C, inspirada no regime do processo civil.
- As alegações escritas passam a ter lugar quando sejam realizadas diligências de prova e devem ser apresentadas de forma simultânea pelas partes - artigo 91.º-A.
Esta
unificação sob o ponto de vista da tramitação, como já referimos, não contende com
a manutenção das especialidades de cada meio processual não urgente, reflectidas
na manutenção de previsões específicas para a impugnação de actos
administrativos (artigos 50.º a 65.º), de condenação à prática de actos
administrativos (artigos 66.º a 71.º), de impugnação de normas (artigos 72.º a
76.º) e de condenação à emissão de normas (artigo 77.º).
Podemos assim concluir que no seio da nova Acção Administrativa continuam a
existir normas particulares e regras especificas consoante o tipo de acção e
pedido que o autor faça. Seria difícil que com a Reforma de 2015 a nova acção,
como único meio processual, extraísse todas as normas e preceitos das antigas
formas de acções do sistema bipolar e não se deixasse influenciar por elas. O
novo CPTA contém assim muitos dos preceitos do antigo CPTA, contudo esta
reforma revelou-se um grande passo do Contencioso Administrativo para o principal objectivo de criar um regime próprio com total autonomia e independência.
Bibliografia:
-ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual
de Processo Administrativo, Almedina, Coimbra, 2012
-CORREIA, José Manuel Sérvulo, Direito do Contencioso Administrativo,
Volume I, Lex, 2005.
-SILVA, Vasco Pereira da, O
Contencioso Administrativo No Divã Da Psicanálise- Ensaio Sobre As Ações No
Novo Processo Administrativo, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009.
Textos
em suporte digital:
-COIMBRA, José Duarte, A REVISÃO DO CPTA E
DO ETAF: A REFORMA DA REFORMA DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO PORTUGUÊS, 5 de
outubro de 2015. Disponível em: http://www.servulo.com/xms/files/publicacoes/Updates_2015/Update_Pub_JDC_A_revisao_do_CPTA_e_do_ETAF_a_reforma_da_reforma_do_Contencioso_Administrativo_portugues__6_10_2015.pdf,
consultado a 28/11/2015.
-FREITAS, Dinamene de , UNIFICAÇÃO DAS FORMAS DE PROCESSO – ALGUNS
ASPETOS DA TRAMITAÇÃO DA AÇÃO ADMINISTRATIVA, In E-PÚBLICA REVISTA
ELECTRÓNICA DE DIREITO PÚBLICO, Número 2, 2014. Disponível em: http://e-publica.pt/unificacaodasformas.html,
consultado a 28/11/2015
Yulia Dem Yanchuk nº22220
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