Com o advento da
Revolução Francesa, no século XVIII, veio a assistir-se também ao nascer do Contencioso
Administrativo, constituindo um marco inegável na área do Direito
Administrativo.
Efetivamente, apesar de,
no Antigo Regime, se verificar alguns dos contornos que expressavam, de algum
modo, uma autonomização das jurisdições administrativas, nomeadamente, ao nível
das águas e florestas, a grande maioria dos litígios eram dirimidos pelos
tribunais comuns.
Neste sentido,
constatou-se, a par de profundas transformações operadas na sociedade francesa,
a subordinação do Governo a uma Administração concentrada. A este propósito,
veio a Lei de 16-24 de Agosto de 1790 estabelecer, no seu artigo 13.º, uma
separação entre as funções judiciais e as funções administrativas.
Tal situação se explica
pelo clima de desconfiança da nova ordem do Conselho de Estado que tinha estado
comprometida com os ideais e as instituições ligadas ao Antigo Regime,
constituindo, nas palavras do Professor Vasco Pereira da Silva, “o primeiro [de
todos] os acontecimentos traumáticos [decorrente] do surgimento do Contencioso
Administrativo, na Revolução Francesa, concebido como privilégio do foro da
Administração, destinado a garantir a defesa dos poderes públicos e não a
assegurar a proteção dos direitos dos particulares”1.
Sucede, todavia, que esse
processo descambou, naturalmente, numa contradição lógica, dissociando-se a
função judicial da função administrativa, pois, de acordo com o entendimento
predominante, «julgar a Administração é ainda administrar», deixando a
fiscalização da legalidades nas relações entre os administrados e a
Administração, nas mãos dos topos das hierarquias administrativas.
Uma década volvida, foi
criado o Conselho de Estado, que se traduzia num hibridismo entre aquilo que
tinha sido o Conselho do Rei, ao nível das competências e prerrogativas, em
conformidade com o respeito pelo princípio revolucionário da separação de
poderes. De acordo com isto, às decisões dos ministros, cabia recurso para o
Primeiro Cônsul que decidia, sob consulta do Conselho de Estado.
Neste seguimento, surgem
os conselhos de prefeitura que, além das funções consultivas que exerciam
relativamente ao prefeito, a eles competiam matérias de contribuições diretas,
quanto às obras públicas, bens de domínio público e nacionais.
Distinguiam-se estes,
contudo, do Conselho de Estado, porque a estes era atribuída a competência por
jurisdição, exercendo essa função mediantes poderes próprios de decisão
imperativa do pleito, ao contrário do que se verificava no Conselho de Estado,
dispondo apenas de poderes consultivos, porque cabia ao Chefe Executivo
formalmente o poder de julgar.
Depois de uma breve
tentativa gorada de abandonar a jurisdição reservada ao Primeiro Cônsul, na
primeira metade do século XIX, os ventos trazidos por novas vontades políticas
retomam a ideia de jurisdição reservada, sendo que, a partir de 1860, o
Conselho de Estado veio a ganhar cada vez mais impulso e maior controlo,
criando-se a figura do recurso por excesso de poder, consagrando-se, ainda, na
jurisprudência, o princípio de revisão de legalidade de todo o ato administrativo.
Com esta viragem,
constatou-se um progressivo reforço dos poderes e competências do Conselho de
Estado, de tal modo que na Terceira República, foi-lhe delegado um direito de
jurisdição em matéria contenciosa, ao passo que os conselhos de prefeitura
viram as suas áreas territoriais de competência alargarem-se progressivamente.
O ponto de viragem
fundamental deu-se, no entanto, a partir do Caso
Cadot, de 13 de Dezembro de 1889, reconhecendo-se o poder do Conselho de
Estado para conhecer e julgar de todos os atos da administração, afastando-se a
imiscuição do juiz administrativo de direito comum.
Feita esta evolução, a
partir de 1953, veio a caber aos tribunais administrativos julgar em primeira
instância os litígios administrativos no âmbito da sua área territorial,
cabendo recurso das suas sentenças para o Conselho de Estado, que
excecionalmente possuía competências para julgar em primeira instância.
Em 1987, a aprovação de
uma Lei pelo Parlamento, veio a introduzir duas alterações legislativas com o
intuito de tornar mais eficiente e fluídos os processos instaurados e julgados
e ainda os recursos, de modo a combater a morosidade das decisões
jurisdicionais.
Nesse sentido, foram
criados tribunais administrativos de apelação, que julgavam em segunda instância
os recursos das decisões dos tribunais administrativos, exercendo o Conselho de
Estado, sobre as suas decisões, uma competência de apreciação das mesmas,
quanto a questões de direito.
Por outro lado,
estabeleceu-se também um procedimento prévio de admissão, submetendo-se todos
os requerimentos de recurso de cassação apresentados perante o Conselho de
Estado, que recusava o recurso irrecebível ou não fundado em razões sérias,
permitindo ao tribunal administrativo ou ao tribunal administrativo de
apelação, quando fossem confrontados com uma nova questão de direito que
apresentasse uma dificuldade séria e repetida em numerosos litígios, transmitir
essa situação ao Conselho de Estado, para que este emitisse um parecer, o que,
apesar de não ser vinculativo, ia no sentido de fazer convergir a
jurisprudência.
Razões de ordem de
imparcialidade, e não tanto relacionadas com a eficiência, levaram também a que
se tenha procedido a algumas modificações, no respeitante à amálgama de funções
entre a função exercida junto da jurisdição administrativa ancorada na
Administração e as funções consultivas, tendo-se fixado regras que garantiam a
independência dos juízes dos tribunais administrativos.
Contrariamente ao que
sucede em toda a Europa, continua o paradigma do Contencioso Administrativo a
manter-se fiel, nos tempos que correm, ao princípio de que «julgar a
Administração é ainda administrar», estando os tribunais judiciais proibidos de
decidir sobre a legalidade das decisões administrativas.
Neste sentido, apesar da
proximidade entre a administração e a justiça administrativa, tendo em
consideração que o Conselho de Estado e os tribunais administrativos estão
organicamente ligados ao poder executivo, o que sucede é que, por meio de
recurso por excesso de poder, pode um interessado pedir que ao juiz, ao abrigo
da sua competência revisora da decisão administrativa, anular um ato
administrativo com fundamento em ilegalidade.
No entanto, a evolução
dos tempos trouxe consigo algumas modificações no panorama do Contencioso
Administrativo francês, redistribuindo-se papéis ao nível das instituições
relevantes, envolvendo órgãos jurisdicionais e a intervenção do legislador, bem
como reajustes no Conselho de Estado e nos tribunais administrativos que vieram
a dar um novo fôlego à atividade da jurisprudência administrativa à beira da
estagnação.
Neste sentido, já na
década de 80, do século XX, procederam-se a duas alterações legislativas que
vieram a reforçar o grau de tutela jurisdicional: a primeira, relativamente às sanções
pecuniárias, pois, quando um tribunal estatui sobre um litígio que está
inerente uma medida de execução, poderá prescrever tal medida e fixar a sanção
pecuniária compulsória; a segunda, quanto ao fundo de um litígio inerente a uma
pessoa coletiva de direito público, ou de um organismo de direito privado
encarregue da gestão de serviço público, pode o tribunal prescrever que a nova
decisão tenha lugar num prazo determinando e complementarmente, fixar também
uma sanção pecuniária.
Com este sentido, não
obstante o juiz não decidir oficiosamente sobre as injunções, ao pronunciá-las,
após serem requeridas pelo recorrente, o juiz atua no quadro contencioso de
plena jurisdição, reforçada pela razão de que a sanção pecuniária compulsória que
pode acompanhar a injunção representa eficiência de modo a que haja acatamento
da injunção.
Em sentido diverso,
conclui-se também que entre o Conselho de Estado e o Conselho Constitucional se
encontraram fórmulas de conjugação do exercício das respetivas competências,
que na prática tiveram como resultado a integração conjunta de um universo de
princípios e regras do Direito Administrativo e do Direito Constitucional.
Nessa medida,
verificou-se, desde logo, uma subalternação do Conselho de Estado face ao
Conselho Constitucional, definindo, a partir do texto da Constituição, o
estatuto constitucional do Conselho de Estado como órgão de jurisdição. Na
mesma linha, veio, também, a Constituição a consagrar como princípios
fundamentais a existências de uma ordem jurisdicional administrativa, bem como
o estatuto de independências dos seus juízes. Por fim, foi também introduzida a
titularidade pela ordem jurisdicional administrativa, de uma esfera reservada
de competência de anulação e reforma das decisões tomadas pelas autoridades
administrativas, no exercício de prerrogativas de poder público.
A isto acresce que o
Conselho de Estado nunca contestou um direito ou uma liberdade reconhecidos
pelo Conselho Constitucional, para além de ser assistido a uma homogeneização
entre os dois conjuntos de princípios, tendo, inclusivamente, o Conselho
Constitucional se enriquecido jurisprudencialmente a partir do Conselho de
Estado, havendo, por outro lado, uma maior aplicação direta do Direito
Constitucional pelo Conselho de Estado.
Daí que se possa
considerar, em última análise, que a revitalização do Direito Administrativo se
deu fruto da absorção pela jurisprudência administrativa da atuação do Conselho
Constitucional.
Por último, uma última
palavra quanto às relações do Conselho de Estado com o Tribunal de Justiça da
União Europeia, havendo a referir que há um primado do Direito Comunitário face
ao Conselho de Estado, sendo que, todavia, cabe a este o controlo por
ilegalidade dos regulamentos e atos administrativos que se não conformem com os
objetivos definidos por uma diretiva comunitária.
Para finalizar, quanto a
matéria de reenvio prejudicial, apesar de se ter desbloqueado o recurso ao
reenvio no que concerne à jurisdição administrativa francesa, rejeitou-se, no
entanto, ao juiz do Tribunal de Justiça da União Europeia, que se pronuncie
sobre a compatibilidade da legislação nacional com o Direito Comunitário, ou
que este fixe as condições sob as quais o juiz nacional pode ordenar a
suspensão da eficácia de um ato administrativo interno fundado num regulamento
interno comunitário, ou tomar posição quanto às regras aplicáveis à
responsabilidade de um Estado-membro que não transponha uma diretiva.
1
“Vasco Pereira da Silva,
o Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise Ensaio sobre as ações do
novo processo administrativo, 2.ª Edição, Almedina”, pg. 10.
Igor Teixerira, nº 20875
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