segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

A ativação do complicómetro no artigo 55º/1/d) do CPTA

Legitimidade processual para a impugnação de ato administrativo – a ativação do complicómetro no artigo 55º/1/d) do CPTA, após a reforma do Contencioso Administrativo de 2015

            Não tendo sofrido uma reforma estruturante, como ocorreu com o Código de Procedimento Administrativo, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos foi alvo de uma revisão que conduziu a diversas alterações à reforma de 2002/2004.[1] Este trabalho debruçar-se-á sobre a modificação da alínea d) do número 1 do artigo 55º, artigo que elenca os sujeitos titulares de legitimidade ativa para impugnar um ato administrativo no seio do contencioso.
            Como é sabido, a legitimidade ativa é um pressuposto processual e não deve ser confundido com o interesse processual (ou interesse em agir). A primeira trata de saber quem pode intentar uma ação no contencioso administrativo, por outras palavras, aquele que possui legitimidade ativa torna-se titular “de uma situação cuja conexão com o objeto da ação proposta o apresente como em condições de nela figurar como autor”, conforme o disposto no art. 9º.[2] O segundo deve ser entendido como uma razão (jurídica) para querer, isto é, o interesse deve ser aferido através de dois vetores: a necessidade de tutela judicial e adequação do meio processual escolhido pelo autor. E pode haver casos em que não haja interesse processual mas exista legitimidade ativa.
            Analisando o artigo 55º/1, tem legitimidade para impugnar um ato administrativo (i) o titular de “um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”(alínea a)), (ii) “o Ministério Público”(alínea b)), (iii) “entidades públicas e privadas, quanto aos direitos e interesses que lhes cumpra defender”(alínea c)), (iv) “órgãos administrativos, relativamente a atos praticados por outros órgãos da mesma pessoa coletiva pública que alegadamente comprometam as condições do exercício de competências legalmente conferidas aos primeiros para a prossecução de interesses pelos quais esses órgãos sejam diretamente responsáveis”(alínea d), objeto do presente estudo), (v) “presidentes de órgãos colegiais, em relação a atos praticados pelo respetivo órgão, bem como outras autoridades, em defesa da legalidade administrativa, nos casos previstos na lei”, (vi) “pessoas e entidades mencionadas no nº2 do art.9º”, (vii) qualquer eleitor, no âmbito de decisões e deliberações adotadas por órgãos das autarquias locais (ou entidades instituídas por estas ou que destas dependam) sediadas na circunscrição onde se encontre recenseado, através da denominada ação popular.
            Cumpre analisar em concreto a quarta alínea, dado que este preceito foi objeto de uma alteração significativa com a revisão de 2015. Antes, era permitido a “um órgão administrativo de uma determinada pessoa coletiva de direito público impugnar atos praticados por outros órgãos da mesma pessoa coletiva”[3]. Com a revisão, o artigo sofreu uma limitação do seu âmbito: passou a ser apenas permitida a impugnação de atos administrativos (dentro de uma pessoa coletiva) nos casos em que um determinado órgão veja invadida a sua esfera de competências relativamente a um ato administrativo por outro órgão da mesma pessoa coletiva. A título exemplificativo, a pessoa coletiva Município é uma autarquia local composta por dois órgãos: a Câmara Municipal e a Assembleia Municipal. O que a nova formulação da alínea d) vem dizer é que a Câmara só pode impugnar atos da Assembleia que considere terem sido praticados sobre matéria que lhe é exclusiva, e vice-versa. Por outras palavras, só é possível a impugnação de atos administrativos dentro de uma pessoa coletiva quando o órgão competente fundamentar o seu pedido na incompetência relativa do outro órgão (incompetente). [4]
            Do comentário do Professor Mário Aroso de Almeida a respeito deste artigo, parece ser possível retirar que, já antes da revisão, o Professor dava este sentido à norma: e fazia uma interpretação restritiva, embora não o mencionasse, na medida em que só a aplicava aos casos supracitados (incompetência relativa). Tendo o Professor participado na comissão de revisão do CPTA, como não era claramente a favor da interpretação literal do artigo e para não restarem quaisquer dúvidas sobre os pressupostos da sua aplicação, parece plausível tirar a ilação de que tenha sido o próprio a propor a alteração legislativa, de modo a ir ao encontro do seu entendimento.[5]
            Esta alteração constitui uma nítida redução do controlo da legalidade dos órgãos das pessoas coletivas. Apesar de continuarem a existir outros mecanismos de controlo – os membros dos órgãos podem, por exemplo, agir ao abrigo da ação popular (alínea e)) – o novo artigo retirou conteúdo à atuação dos órgãos administrativos, na medida em que enfraqueceu em parte o relacionamento interorgânico ao retirar-lhe um elemento fulcral da sua existência. A verdade é que, a meu ver, pode colocar-se aqui um problema de eficiência: por que razão é vedada a impugnação fora dos casos da nova alínea d) se se mantêm os outros mecanismos alternativos? Não deveria ser objetivo da revisão do CPTA trazer uma maior eficácia no Processo Administrativos? Parece que a solução do novo preceito leva apenas a uma complicação daquilo que é simples: a tutela da legalidade da atuação da Administração Pública e dos seus órgãos.
           










                                               Maria Margarida Marques Antunes Cappelle Teixeira
                                               Subturma 1
                                               4ºAno; Turma: Dia




[1] José Duarte Coimbra, “A revisão do CPTA e do ETAF: A reforma da reforma do Contencioso”, in Publicações Sérvulo, Sérvulo & Associados: http://www.servulo.com/xms/files/publicacoes/Updates_2015/Update_Pub_JDC_A_revisao_do_CPTA_e_do_ETAF_a_reforma_da_reforma_do_Contencioso_Administrativo_portugues__6_10_2015.pdf;
[2] Mário Aroso de Almeida, “Manual de Processo Administrativo”, 2013, Almedina, página 219;
[3] Mário Aroso de Almeida, “Manual de Processo Administrativo”, 2013, Almedina, página 242;
[4] Mário Aroso de Almeida, “Manual de Processo Administrativo”, 2013, Almedina, página 242;
[5] Sobre o Professor ser membro da comissão de elaboração da revisão do CPTA:
“o professor universitário Mário Aroso de Almeida, membro da comissão (…)”
http://www.publico.pt/sociedade/noticia/advogados-vao-passar-a-poder-defender-estado-nas-accoes-de-indemnizacao-contra-a-administracao-1639197 - 9/06/2014.

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