Legitimidade processual para a impugnação de ato
administrativo – a ativação do complicómetro no artigo 55º/1/d) do CPTA, após a
reforma do Contencioso Administrativo de 2015
Não tendo sofrido uma reforma
estruturante, como ocorreu com o Código de Procedimento Administrativo, o
Código de Processo nos Tribunais Administrativos foi alvo de uma revisão que
conduziu a diversas alterações à reforma de 2002/2004.[1] Este trabalho
debruçar-se-á sobre a modificação da alínea d) do número 1 do artigo 55º,
artigo que elenca os sujeitos titulares de legitimidade ativa para impugnar um
ato administrativo no seio do contencioso.
Como é sabido, a legitimidade ativa é
um pressuposto processual e não deve ser confundido com o interesse processual
(ou interesse em agir). A primeira trata de saber quem pode intentar uma ação
no contencioso administrativo, por outras palavras, aquele que possui
legitimidade ativa torna-se titular “de uma situação cuja conexão com o objeto
da ação proposta o apresente como em condições de nela figurar como autor”,
conforme o disposto no art. 9º.[2] O segundo deve ser
entendido como uma razão (jurídica) para querer, isto é, o interesse deve ser aferido através de dois vetores:
a necessidade de tutela judicial e adequação do meio processual escolhido pelo
autor. E pode haver casos em que não haja interesse processual mas exista
legitimidade ativa.
Analisando o artigo 55º/1, tem
legitimidade para impugnar um ato administrativo (i) o titular de “um interesse
direto e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos
ou interesses legalmente protegidos”(alínea
a)), (ii) “o Ministério Público”(alínea
b)), (iii) “entidades públicas e privadas, quanto aos direitos e interesses
que lhes cumpra defender”(alínea c)),
(iv) “órgãos administrativos, relativamente a atos praticados por outros órgãos
da mesma pessoa coletiva pública que alegadamente comprometam as condições do
exercício de competências legalmente conferidas aos primeiros para a
prossecução de interesses pelos quais esses órgãos sejam diretamente
responsáveis”(alínea d), objeto do
presente estudo), (v) “presidentes de órgãos colegiais, em relação a atos
praticados pelo respetivo órgão, bem como outras autoridades, em defesa da
legalidade administrativa, nos casos previstos na lei”, (vi) “pessoas e
entidades mencionadas no nº2 do art.9º”, (vii) qualquer eleitor, no âmbito de
decisões e deliberações adotadas por órgãos das autarquias locais (ou entidades
instituídas por estas ou que destas dependam) sediadas na circunscrição onde se
encontre recenseado, através da denominada ação popular.
Cumpre analisar em concreto a quarta
alínea, dado que este preceito foi objeto de uma alteração significativa com a
revisão de 2015. Antes, era permitido a “um órgão administrativo de uma
determinada pessoa coletiva de direito público impugnar atos praticados por
outros órgãos da mesma pessoa coletiva”[3]. Com a revisão, o artigo
sofreu uma limitação do seu âmbito: passou a ser apenas permitida a impugnação
de atos administrativos (dentro de uma pessoa coletiva) nos casos em que um
determinado órgão veja invadida a sua esfera de competências relativamente a um
ato administrativo por outro órgão da mesma pessoa coletiva. A título
exemplificativo, a pessoa coletiva Município é uma autarquia local composta por
dois órgãos: a Câmara Municipal e a Assembleia Municipal. O que a nova
formulação da alínea d) vem dizer é que a Câmara só pode impugnar atos da
Assembleia que considere terem sido praticados sobre matéria que lhe é
exclusiva, e vice-versa. Por outras palavras, só é possível a impugnação de
atos administrativos dentro de uma pessoa coletiva quando o órgão competente
fundamentar o seu pedido na incompetência relativa do outro órgão
(incompetente). [4]
Do comentário do Professor Mário
Aroso de Almeida a respeito deste artigo, parece ser possível retirar que, já
antes da revisão, o Professor dava este sentido à norma: e fazia uma
interpretação restritiva, embora não o mencionasse, na medida em que só a
aplicava aos casos supracitados (incompetência relativa). Tendo o Professor
participado na comissão de revisão do CPTA, como não era claramente a favor da
interpretação literal do artigo e para não restarem quaisquer dúvidas sobre os
pressupostos da sua aplicação, parece plausível tirar a ilação de que tenha
sido o próprio a propor a alteração legislativa, de modo a ir ao encontro do
seu entendimento.[5]
Esta
alteração constitui uma nítida redução do controlo da legalidade dos órgãos das
pessoas coletivas. Apesar de continuarem a existir outros mecanismos de
controlo – os membros dos órgãos podem, por exemplo, agir ao abrigo da ação
popular (alínea e)) – o novo artigo retirou conteúdo à atuação dos órgãos
administrativos, na medida em que enfraqueceu em parte o relacionamento
interorgânico ao retirar-lhe um elemento fulcral da sua existência. A verdade é
que, a meu ver, pode colocar-se aqui um problema de eficiência: por que razão é
vedada a impugnação fora dos casos da nova alínea d) se se mantêm os outros
mecanismos alternativos? Não deveria ser objetivo da revisão do CPTA trazer uma
maior eficácia no Processo Administrativos? Parece que a solução do novo
preceito leva apenas a uma complicação daquilo que é simples: a tutela da
legalidade da atuação da Administração Pública e dos seus órgãos.
Maria
Margarida Marques Antunes Cappelle Teixeira
Subturma
1
4ºAno;
Turma: Dia
[1] José Duarte Coimbra, “A revisão do
CPTA e do ETAF: A reforma da reforma do Contencioso”, in Publicações Sérvulo, Sérvulo
& Associados:
http://www.servulo.com/xms/files/publicacoes/Updates_2015/Update_Pub_JDC_A_revisao_do_CPTA_e_do_ETAF_a_reforma_da_reforma_do_Contencioso_Administrativo_portugues__6_10_2015.pdf;
[2] Mário Aroso de Almeida, “Manual de
Processo Administrativo”, 2013, Almedina, página 219;
[3] Mário Aroso de Almeida, “Manual de
Processo Administrativo”, 2013, Almedina, página 242;
[4] Mário Aroso de Almeida, “Manual de
Processo Administrativo”, 2013, Almedina, página 242;
[5] Sobre o Professor ser membro da
comissão de elaboração da revisão do CPTA:
“o
professor universitário Mário Aroso de Almeida, membro da comissão (…)”
http://www.publico.pt/sociedade/noticia/advogados-vao-passar-a-poder-defender-estado-nas-accoes-de-indemnizacao-contra-a-administracao-1639197
- 9/06/2014.
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