sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Sistema Alemão – perspetivas do Direito Comparado no Contencioso Administrativo

O sistema germânico assentou, desde logo, na vontade do legislador que, beneficiando da experiência contenciosa francesa, veio a promover a redução das competências dos tribunais comuns em matéria administrativa, de acordo com o entendimento adotado do princípio da separação de poderes.
Nesse sentido, depois de uma breve experiência em que era a própria Administração a quem competia a fiscalização da legalidade administrativa, é instituído, mais tarde, em 1863, tribunais administrativos de círculo que tinham como função o controlo da atividade administrativa por órgãos independentes, consolidando a ideia de separação do poder administrativo do poder jurisdicional.
A evolução dos tempos trouxe consigo, após vários desenvolvimentos doutrinais, a necessidade de aperfeiçoar esse princípio de que competiam a órgãos próprios, os tribunais, a fiscalização da atividade administrativa, sendo aprovado, em 1875, na Prússia, uma lei sobre tribunais e processo administrativo, que reforçou a autonomia do controlo dos tribunais administrativos em litígios que versassem sobre matérias administrativas.
No entanto, essa desejada autonomia não estava, na verdade, completamente conseguida, uma vez que dentro do sistema jurisdicional administrativo, os membros dos tribunais de primeira e segunda instância, mantinham, efetivamente, alguns laços com a administração, comprometendo, desse modo, a imparcialidade e, por conseguinte, a própria separação de poderes.
Depois de superadas divergências doutrinárias entre perspetivas objetivistas e subjetivistas do Direito Administrativo, entre quem defendia que o Direito Administrativo visava um ordenamento objetivo com o escopo de realizar o bem público, e quem atribuía ao Direito Administrativo uma função de proteção do particular face à Administração, vinda desde o século XIX, veio a ascensão ao poder do regime nacional-socialista, guiado por Hitler, a paralisar completamente a evolução do contencioso administrativo como meio de proteção dos particulares.
Após esse período conturbado da história, verificou-se a seguir à II Guerra Mundial, uma recuperação da independência dos tribunais administrativos, vindo a ser criado, em 1952, na República Federal Alemã, o Tribunal Administrativo Federal, que constituía o topo do vértice do contencioso administrativo, dividindo-se a restante estrutura contenciosa, em tribunais administrativos especiais ligados pela via do recurso ou, organicamente, à ordem jurisdicional administrativa em sentido estrito.
 Em linha com esses desenvolvimentos, veio a ser criado, posteriormente, em 1960, a Lei dos Tribunais Administrativos, que veio a constituir a base legal para o contencioso administrativo.
Poderá afirmar-se, que o pós II Guerra Mundial veio a provocar um retorno para a tendencial exclusividade da natureza subjetivista da função jurisdicional, que veio, contudo, a ser mitigada por influência do Direito Comunitário, considerando que o reconhecimento da função de prosseguir o bem público não se revelava incompatível com os princípios que norteiam o Estado de Direito.
Em relação ao sistema germânico, verifica-se, ainda, uma peculiaridade no que confere ao intenso recurso da margem de livre decisão administrativa por parte dos tribunais administrativos, que não se constata com tanta acuidade nos restantes sistemas contenciosos europeus, pondo em causa a confiança perante a Administração.
Em face disto, a excessiva manipulação do recuso à margem de livre decisão administrativa, tem ínsito uma certa deturpação das funções jurisdicionais dos tribunais administrativos, conquanto que lhe é facultada a oportunidade de invadir as funções administrativas, dada a intromissão do juiz na situação jurídica administrativa, sendo geradora de um bloqueio à Administração quanto à prossecução da sua própria função administrativa.
Esta particularidade explica-se pelo período conturbado vivido que marcou profundamente a história alemã, durante a ascensão do regime nazi ao poder e a sua destituição, acompanhada por um longo período de existência de uma Alemanha ocupada pelos Aliados, dividida entre a República Federal Alemã e a República Democrática Alemã. 
Relativamente a esta situação, refira-se, porém, que tem havido oscilações na jurisprudência quanto ao recurso à margem de livre decisão administrativa e de ser sintomático a desarmonia entre o Tribunal Constitucional Alemão e o Tribunal Administrativo Federal.
O mesmo se diga quanto aos procedimentos cautelares, onde é manifesto, uma vez mais, a paralisação do interesse público pela Administração por parte dos tribunais administrativos, tendo em consideração que estes podem restabelecer os efeitos suspensivos da ação quando o órgão autor do ato administrativo se decida pela execução imediata, por interesse público ou por interesse prevalecente de um dos interessados.
Devido aos efeitos perniciosos que se fizeram sentir, a respeito da paralisação dos procedimentos cautelares, na Administração, houve a necessidade de se proceder à aprovação de vária legislação especial no sentido de combater os efeitos suspensivos da impugnação jurisdicional de atos administrativos.
No que tange à compatibilização com o Direito Comunitário, veio, também, na década de 90, o Tribunal de Justiça da União Europeia a condenar a República Federal Alemã, por violação do princípio da igualdade de aplicação do Direito Comunitário em todos os Estados-membros, em virtude da suspensão da eficácia de um ato administrativo como consequência automática ex lege da sua impugnação, não tendo o Estado, para o efeito, tomado todas as medidas para assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes das instituições comunitárias.

De resto, à semelhança do que se verifica nos restantes países da Europa Ocidental, é patente a ineficiência dos tribunais administrativos, atendendo à morosidade nos processos, desencadeada por razões que se prendem com a proliferação legislativa, o reduzido número de juízes existentes e pelas sentenças demasiado extensas, causadas, em parte, por uma tendencial dispersão valorativa e, por outra parte, por uma apreciação exaustiva de todos os vícios inerentes ao ato administrativo.


Igor Teixeira, nº 20875

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