O
presente comentário abordará o processo cautelar, em sede do novo regime do
CPTA, discutindo-se, em particular, se a mudança nos critérios de decisão de
decretamento de providências cautelares foi benéfica para o sistema.
No
novo Código de Procedimento dos Tribunais Administrativo, (CPTA de agora em
diante), o regime das providências cautelares encontra-se entre os artigos 112º
e 134º do referido diploma.
Cabe,
assim, enunciar do que se trata uma providência, sendo que nas palavras Mário
Aroso de Almeida, esta se trata de “num processo cautelar, o autor num processo
declarativo, já intentado ou ainda a intenta, pede ao tribunal a adopção de uma
ou mais providências, destinadas a impedir, que durante a pendência do processo
declarativo, se constitua uma situação irreversível ou se produzam danos de tal
modo gravosos que ponham em perigo, no todo ou pelo menos em parte, a utilidade
da decisão que ele pretende obter naquele processo”. Com isto, se percebe a
utilidade do processo cautelar, na medida, em que poderá estar em causa a
produção iminente, ou já iniciada, de danos, pelo que se será necessária uma
decisão célere , a priori, num processo cautelar, em momento anterior à decisão
do processo principal. Desta forma são postos em causa os principais traços das
providências cautelares que são: a instrumentalidade presente no art
112º/1CPTA, pois está dependente do processo principal, a provisoriedade, já
que visa apenas acautelar uma determinada situação num período de tempo
resultando isto do artigo 124º, e por fim a sumariedade, na medida em que a
decisão deste tipo de processo terá de ser feita em tempo útil (logo a decisão
terá de ser feita com maior celeridade), de modo a acautelar a violação
iminente, ou já consumada de direitos.
Em
relação aos critérios de atribuição cabe dar nota dos mesmos, iniciando a
exposição com base na interpretação e no modelo Europeu de decretação de
providências cautelares administrativas. Começo por este ponto, pois existem
alguns autores, como Henri Labayle, que defendem que o decretamento de
providências cautelares deveria ser uniformizado ao nível dos seus requisitos
de decretamento, pelo Direito Processual Administrativo Europeu. Assim sendo, a
posição adoptada pelo Direito Processual Administrativo Europeu tem sido na
linha de que para o decretamento de uma providência cautelar será necessária a
precedida demonstração perfunctória da existência cumulativa de “periculum in
mora” e de “fumus bonis iuris” tendo também de haver uma ponderação dos
interesses em causa, sendo que é acrescentado um requisito adicional em sede
europeia que será a colocação prévia ou simultânea da competente questão
prejudicial ao TJUE ( o que para efeitos deste comentário servirá penas para
efeito de nota adicional).
Cabe
então analisar um primeiro critério que será o do “periculum in mora” que, está
consagrado no artigo 120º CPTA, quando aí se fala da existência de um “fundado receio da
constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de
difícil reparação”. E está aí consagrado, pois este critério resulta da
alegaçãoo de factos concretos pelo requerente que inspirem fundado receio de
que, se a providência for recusada, se tornará em momento posterior impossível,
no caso de o processo principal vier a ser julgado procedente, de proceder à
reintegração, no plano dos factos, a situação conforme à legalidade. Assim, entende-se que este
critério visa acautelar o risco de retardamento da tutela no tempo de
julgamento, de um processo principal, pelo que é de referi a expressão de
Alberto dos Reis, com base em Calamandrei, que afirma “ um conhecimento
completo e profundo sobre a existência do perigo pode exigir uma demora
incompatível com a urgência da medida cautelar”.
O
segundo critério será o do “fumus bonis iuris”, que à letra significa o fumo do
bom direito, como, até, alguma jurisprudência brasileira utiliza. Este critério
resulta do simples facto de o juíz ter de verificar em sede cautelar, se, de facto,
o grau de probabilidade de êxito do requerente na acção principal, suscitará a
necessidade de, nessas situações, o tribunal deverá tomar em linha de conta o
comportamento, judicial e extrajudicial, que o requerido tenha, entretanto,
assumido, na medida em que tal comportamento também possa, pelo seu lado,
fornecer indícios da adpção de uma atitude de desrespeito pela legalidade.
Sendo este juízo sempre exercido dentro de estritos limites que são próprios da
acção cautelar.
O
último critério será o da ponderação dos interesses em causa, que de um modo
simples passa pela formulação de um juízo de valor relativo, fundado na
comparação da situação do requerente com a dos eventuais titulares dos
interesses contrapostos à luz do princípio da proporcionalidade na sua vertente
da necessidade, existindo aqui uma grande divergência doutrinária.
Por
um lado é defendido que a tutela cautelar administrativa não pode constituir um
elemento de perversão do sistema democrático, permitindo que um só particular
coloque em causa a execução administrativa de decisões democrática e
legitimamente tomadas pelos órgãos para tal efeito, sendo que esta doutrina faz
lembrar um pouco a “infância difícil” que nas palavras de Vasco Pereira da
Silva o Direito Administrativo atravessou. Por outro, e penso ser esta a melhor
doutrina por ir, efectivamente, à génese do Direito Administrativo no que diz
respeito à multiplicidade de relações que este abarca, defende e também com
base no Direito da União Europeia, que se deve permitir a qualquer particular a
invocação de posições subjetivas ativas que decorram da legislação
administrativa.
Assim
sendo, a principal diferença entre estas duas teses, passa pela primeira
defender a autonomização da ponderação de interesses enquanto requisito da decretação
das providências cautelares administrativas, enquanto que a segunda apenas
defende uma ponderação moderada dos interesses, mas em sede de aferição do
“periculum in mora”.
A
maior diferença que surge no novo CPTA resulta do facto de ter desaparecido
diferentes critérios para as providências cautelares de tipo antecipatório e
conservatório tendo este critério se fundido num só. Assim, os critérios de
decretamento previstos na atual versão do Código para a apreciação do fumus
bonus iuris sucede agora um único, correspondente ao anteriormente consagrado
para as providências de tipo antecipatório e que exige ao requerente a
demonstração da probabilidade de que a pretensão formulada ou a formular no
processo principal venha a ser julgada procedente. Esta circunstância, cumulada
com a eliminação do critério da “ilegalidade manifesta” vem, na prática, tornar
mais estreito o acesso à tutela cautelar como resulta do artigo 120º do CPTA.
Com este
estreitamento na tutela cautelar parece que a visão do legislador regrediu,
face ao caminho que se vinha trilhando, já que a meu ver as providências
cautelares são um regime essencial à proteção dos direitos dos particulares,
isto é, daqueles que têm uma posição enfraquecida face à Administração. Sendo
que tal protecção terá de ser conjugada com a não obstrução do funcionamento da
própria Administração o que me parece que com o regime anterior era também
conseguido, na medida em que a distinção de critérios para as providências
conservatórias e antecipatórias era a evidência disto mesmo.
Desta
forma, no anterior CPTA quando estava em causa o decretamento de uma
providência conservatória, ou seja uma providência determinada à manutenção do
status quo, não permitindo que ele se alterasse, sendo para tal necessário a
demonstração do periculum in mora e esta não seria concedida a menos que fosse
manifesta a falta de fundamento da pretensão principal, ou a existência de
condições à apreciação do mérito, em que o critério da aparência do bom direito
intervinha apenas numa formulação negativa, isto é, se não existissem elementos
que tornem evidente a improcedência ou a inviabilidade da pretensão material,
não será esta recusada.
Em
relação às providências antecipatórias o critério era diferente, sendo que com
a revisão será este o único critério para a averiguação da procedência de todas
as providências cautelares o que se tinha de demonstrar era o periculum in mora, tendo de se provar
que a pretensão formulada na acção principal poderá a vir ser julgada como
procedente. E como se tratam estas providências de uma alteração do status quo, o fumus bonis iuris intervinha na sua vertente positiva, isto é, se o
requerente pretende, ainda que a título provisório, que as coisas mudem a seu
favor, sobre este impende o encargo de fazer prova perfunctória do bem fundado
da pretensão deduzida no processo principal, sendo aqui naturalmente aplicáveis
os critérios edificados pela doutrina do processo civil sobre a apreciação
perfunctória do fumus bonis iuris, a
que o juíz deve proceder no âmbito dos processos cautelares.
Ora,
assim sendo, esta fusão não parece ser benéfica afectando uma das vertentes
nucleares de Direito Administrativo, que é como já foi supra referido a tutela
dos direitos dos particulares, pelo que esta dificuldade acrescida de
decretamento de providências cautelares , com a fusão de critérios, levará a
que daqui em diante seja mais fácil à Administração de conseguir obstar ao
decretamento de providências cautelares, contra acções da sua responsabilidade.
Ricardo Pintão 23419
Bibliografia: Aroso de Almeida, Mário, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2015
Prata Roque, Miguel, Texto sobre Providências Cautelares, 2010
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