terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Os processos urgentes no novo processo administrativo


O CPTA consagra no art.36 a categoria de processos urgentes enquanto forma de processo e faz uma enumeração não distinguindo destes os processos cautelares, que constam da lista na alínea f) do referido artigo, transmitindo erroneamente a ideia de que estas duas figuras têm a mesma natureza jurídica. A posteriori o CPTA autonomiza os processos urgentes das providências cautelares em títulos distintos, essa opção além de metodologicamente correcta é mais consentânea com a realidade, na medida em que não é possível confundir os processos urgentes com os procedimentos cautelares por serem figuras distintas e porque estes são processos urgentes não principais, ao contrário daqueles, e visam assegurar a utilidade de uma lide principal, ou seja, são um processo que na sua génese contém as características da instrumentalidade (depende funcionalmente da acção principal), provisoriedade (não visa a resolução definitiva do litígio) e a sumaridade (há por parte do tribunal uma cognição sumária da situação de facto e de direito); contrariamente os processos urgentes são processos principais que visam a produção de decisões de mérito num processo principal e autónomo; logo implica que a cognição por parte do tribunal, pese embora a tramitação acelerada ou simplificada, deva ser tendencialmente plena atendendo a natureza dos direitos ou dos bens jurídicos protegidos, que podem por exemplo ser direitos fundamentais.
Os processos urgentes são o resultado da originalidade do direito português e foram uma das grandes e importantes inovações da reforma de 2002/2004, altura em que foram consagrados como forma de processo administrativo.
Distingue-se quer dos processos principais não urgentes, quer dos processos urgentes não principais (procedimentos cautelares), ou seja tem um sistema próprio que se caracteriza por um "modelo de tramitação simplificado, ou pelo menos, acelerado em razão da urgência".
A reforma de 2015 introduziu ao nível dos processos urgentes assinaláveis alterações.
A primeira foi a introdução de um novo meio processual, aumentando de quatro para cinco meios processuais, que são: o contencioso eleitoral; os procedimentos massivos; o contencioso pré-contratual, as intimações que se subdividem em duas- intimação para prestação de informações e as intimações para proteção de direitos liberdades e garantias.
Alguma doutrina, nomeadamente o professor Vieira de Andrade, entende que a enumeração destes cinco meios não representa o estabelecimento de um numerus clausus que impossibilite a existência de outros processos urgentes dado que no âmbito da tutela antecipatória do processo cautelar por força dos artigos 121 e 132/5 do CPTA é admitida a convolação do processo cautelar em processo principal, assim sendo há uma abertura do sistema para a criação ad hoc de novos processos urgentes sempre que necessário e possível, além de que existem em legislação especial outros processos declarativos urgentes, como por exemplo a acção para declaração de perda de mandato local, pelo que a partida não há tipicidade dos processos urgentes.
Os processos urgentes têm um regime processual geral que é definido no CPTA e é cumulado com as especificidades de cada um dos processos.
As fases processuais são abreviadas, os prazos são mais curtos e correm em férias judiciais, há dispensa de vistos prévios, mesmo em sede de recurso os actos d secretaria são praticados no próprio dia e os processos têm precedência sobre quaisquer outros, são decididos prioritariamente e sobem imediatamente para o tribunal superior em caso de recurso e aí os prazos são reduzidos para metade.

O contencioso eleitoral 
Conjunto de litígios relativos a processos eleitorais no âmbito da administração pública, está consagrado no art.98 do CPTA e visa assegurar a utilidade das sentenças e protecção eficaz dos interessados(elemento subjectivo da relação jurídica administrativa).
O âmbito de aplicação é apenas o das eleições em que são designados titulares de órgãos administrativos de pessoas colectivas públicas, com excepção das administrações autónomas regionais e locais.
A iniciativa do processo cabe aos eleitores e elegíveis, com exclusão das acções: pública, popular e colectiva dada a natureza subjectiva do direito.
Na falta de disposição especial o prazo para a propositura da acção é de sete dias (art.98/2 do CPTA) e segue a tramitação da acção administrativa (art.37/1 do CPTA) com os prazos reduzidos e tramitação acelerada.
É um meio impugnatório e o processo é de "plena jurisdição" (art.98/1 CPTA e 4/1/m) ETAF),ou seja não visa apenas a anulação ou declaração de nulidade, mas também a condenação das autoridades administrativas.

Os procedimentos massivos
Grande novidade da reforma de 2015,que o introduz com a consagração legal no art.99 do CPTA. Visa os litígios decorrentes da prática ou omissão de actos administrativos massivos, que nos termos do art.99/1 CPTA são os procedimentos com mais de cinquenta participantes aplicáveis nos domínios dos concursos de pessoal, procedimentos de realização de provas e procedimentos de recrutamento.
Dada a novidade do meio processual a lei determina no art.99/3 do CPTA que o modelo dos articulados deve ser estabelecido por portaria do Ministério da Justiça.
O prazo de propositura destas acções é de um mês e os prazos de tramitação são muito curtos- 20 dias para a contestação,30 dias para a decisão do juiz ou relator e 10 dias para os restantes casos-por forma a ser obtida uma decisão célere. Sendo este um novo meio só o tempo e a prática vão mostrar se os prazos são ou não apertados e possíveis de concretizar.
As acções devem ser propostas no tribunal da sede da entidade demandada (art.99/2 CPTA) e quando sejam propostas diferentes ações por referencia ao mesmo procedimento, desde que estejam preenchidos os pressupostos legais de admissibilidade previstos para a coligação e para a cumulação de pedidos, há apensação obrigatória à acção proposta em primeiro lugar (art.99/4 CPTA). A apensação obrigatória tem como objectivo a concentração dos processos numa única acção e num único tribunal, para conseguir maior uniformidade decisória e como forma de agilização processual.

Contencioso pré-contratual
Introduzido pela reforma de 2002, com consagração legal nos artigos 100 a 103-B do novo CPTA, corresponde ao meio processual que põe a nu a europeização do contencioso administrativo português, pois é amplamente marcado pelo direito da união europeia e resulta da transposição das diversas directivas nessa matéria.
A reforma de 2015 introduziu alterações, talvez as mais significativas ao atribuir o efeito suspensivo automático dos actos pré-contratuais impugnados (impugnação dos actos de adjudicação, e apenas estes) ou a própria execução do contrato já celebrado 103-A/1 CPTA), ainda que seja possível ao juiz afastar a suspensão quando a entidade demandada ou os contrainteressados "invoquem grave prejuízo para o interesse público ou desproporção face aos demais interesses envolvidos" (art.103-A/2 CPTA); e criou a possibilidade de adopção de medidas provisórias em processos que não tenham por objecto actos de adjudicação (art.103-B/1 CPTA).
A remissão feita para o regime das providências cautelares no art.103-A/2 parte final para o art. 120/2 ambos do CPTA implica uma adaptação na medida em que a remissão apenas visa a concepção de um "critério" de ponderação de todos os interesses em causa e dando a possibilidade do juiz escolher a solução que cause menor dano, ou seja não estamos diante de uma remissão absoluta para o regime das providências cautelares, estando em causa apenas o "critério" de solução do caso concreto e isso é perceptível no artigo 103-B do CPTA pois neste é admissível que o juiz possa encontrar uma solução intermédia através da concepção de outras providências,com excepção dos processos que não tenham por objectos actos de adjudicação.
Assim sendo é possível afirmar que o contencioso pré-contratual tem uma natureza preventiva, pois visa antes da celebração dos contratos evitar possíveis litígios emergentes da efectivação dos mesmos,e tem também o propósito de assegurar o interesse público (elemento objectivo da relação jurídica administrativa) e o interesse privado ( elemento subjectivo da relação jurídica administrativa), promovendo a transparência, a concorrência, o início rápido e efectivo da execução dos contratos depois da sua celebração, através de uma adequada proteção dos interesses das partes contratantes, que regra geral ser uma entidade pública é uma ou várias entidades privadas (em sentido amplo).
O âmbito de aplicação do contencioso pré-contratual é desde logo, quando esteja em causa a ilegalidade de quaisquer decisões administrativas relativas à formação dos contratos administrativos, pondo em causa a validade do acto (em sentido amplo) de adjudicação; e quando estivermos perante "regulamentos-quadro" e aqui o que está em causa é uma acção administrativa de impugnação de normas nos termos do art.103/4 do CPTA; não quer isto dizer que só pode ser pedida a impugnação, na medida em que a reforma de 2015 veio clarificar a possibilidade de neste processo urgente ser possível pedir e obter a condenação a prática dos actos pré-contratuais devidos, o que pode ser feito isoladamente ou em cumulação com pedidos de impugnação, atendendo ao Princípio da livre cumulabilidade de pedidos no mesmo processo consagrado em sede do contencioso administrativo; logo as sentenças podem ser: anulatórias, de declaração de invalidade ou de condenação a prática do acto.
O prazo para intentar a acção é de um mês contado, regra geral, da notificação dos interessados e a legitimidade é determinada nos termos gerais como refere o art.101 do CPTA, sendo aplicáveis às regras de legitimidade para impugnação dos actos, amplamente considerada incluindo portanto a acção pública e os poderes de prossecução da acção pelo MP (art.62 CPTA).
A tramitação é única, segue a acção administrativa com "adaptações", pois é admissível uma audiência pública para discussão da matéria de facto é de direito com alegações orais e sentença imediata (art.102/5 CPTA),o que pode ocorrer por requerimento de uma das partes outro decisão oficiosa do tribunal. A cognição é plena e as partes podem nos termos do art.102/4 ampliar o objecto nos termos do art.63 do CPTA ou modificar nos termos dos artigos 102/6, 45 e 45-A do CPTA; remissão para este artigos é relevante pois daí resulta a possibilidade de em caso de "impossibilidade absoluta" de satisfação da retensão do autor o juiz reconhecer o direito do mesmo a ser indemnizado convidando as partes a acordarem o montante a indemnização, na falta de acordo é o próprio que fixa,desta forma é concretizado o princípio da flexibilidade do objecto do processo.

Intimações
São processos urgentes de condenação cujo propósito é a imposição judicial, regra geral dirigida a administração, da adopção de comportamentos e a prática de actos administrativos. Estão incluídas nos processos urgentes e seguem uma tramitação especial, simplificada ou acelerada devido à necessidade de resolução urgente da situação.

Intimação para prestação de informações
É um processo urgente muito utilizado que surgiu na reforma de 85, limitado a consulta de processos e passagem de documentos por parte da administração pública.
A jurisprudência e a doutrina foram procedendo ao alargamento e autonomização deste mecanismo; e a consagração do art.104 do CPTA em 2002 foi apenas a concretização do que já era a prática nos tribunais portugueses e é agora expressamente configurada como um processo urgente e como uma acção principal.
São titulares da legitimidade activa (art.104 CPTA) todos os interessados que possam recorrer aos meios impugnatórios, inclusive os autores populares, bem como o MP e são titulares da legitimidade passiva a pessoa colectiva de direito público, o ministério ou a secretaria regional nos termos dos artigos 105/1 e 10/2 do CPTA.
A utilização deste meio resulta ou pressupõe que haja por parte da Administração uma violação do direito à informação dos interessados ou um incumprimento do dever que aquela têm de informar ou notificar estes quando requerido.
O prazo para requerer a intimação é de vinte dias a partir da verificação da não satisfação do pedido, da omissão, do indeferimento expresso ou do deferimento parcial nos termos das alíneas a) a c) do n.2 do art.105 do CPTA.
A tramitação nos termos do art.107 do CPTA é simples, com a citação da entidade demandada e dos contrainteressados a ser promovida oficiosamente pela secretaria com um prazo de resposta de dez dias e decisão do juiz no prazo de cinco dias, pois regra geral não são necessárias diligências.
A decisão é uma condenação a prática do acto devido e o juiz determina o seu cumprimento no prazo máximo de dez dias, no caso de incumprimento da decisão, o juiz pode decidir pela aplicação de sanções pecuniárias compulsórias nos termos do art.169 CPTA, sem prejuízo do apuramento da responsabilidade civil e criminal, que haja lugar nos termos do art.159 do CPTA.

 Intimação para proteção de direitos, liberdade e garantias
Este meio processual foi consagrado no CPTA com a reforma de 2002/2004 e resultou de um processo de maturação legislativo e doutrinal que inspirava-se na instituição de um recurso de amparo na ordem jurídica portuguesa, pelo que os seus antecedentes remontam a importante revisão constitucional de 1989, onde pela primeira vez se tentou introduzir na CRP a figura do recurso de amparo.
A utilização deste meio processual pode ser feita quando "a célere emissão de uma decisão de mérito do processo imponha a administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa, indispensável para assegurar em tempo útil o exercício de um direito, liberdade ou garantia (109/1 CPTA).
Têm legitimidade activa os titulares dos direitos, liberdades e garantias subjectivamente considerados, sendo embora admissível a acção popular e legitimidade passiva a pessoa colectiva ou o ministério, bem como a autoridade competente devido à urgência do processo.
O pedido formulado é o de condenação da adopção da conduta positiva ou negativa (109/1 e 3 CPTA). Nos termos do artigo 73/2 do CCJ (D.L n.324/2003) estas acções não dão lugar ao pagamento de custas, o que representa uma vantagem economicamente falando, assim sendo é garantido efectivamente o direito de acesso aos tribunais constitucionalmente consagrado e que em alguns casos é limitado por insuficiências económicas, apesar do apoio judiciário previstos nestes casos.
A reforma de 2015 introduziu neste meio processual o despacho liminar do juiz a proferir no prazo máximo de 48 horas (art.110/1 CPTA) e permite avaliar se o pedido cumpre os requisitos legais e se o meio escolhido é adequado ou porventura a lesão intocada pode ser evitada com o decretamento de uma providência cautelar. A lei concede, neste caso ao juiz uma prerrogativa de avaliação do caso concreto que vai determinar três tipos de urgência, consoante os processos sejam: simples em que a urgência é normal (art.110/1 CPTA), complexos em que a urgência é normal (art.110/2 CPTA) e as situações de especial urgência (art.110/3 CPTA) o que permite ao juiz escolher uma tramitação acelerada com encurtamento do prazo de resposta do requerido ou uma tramitação simplificada, realizando uma audiência oral de julgamento, para decisão no prazo de 48 horas.
Proferida a decisão, que se for de improcedência, é sempre possível recorrer, independente do valor da causa (142/3 a CPTA),pela relevância dos direitos ou valores comunitários em jogos naturalmente, os recursos são tramitados como processos urgentes.

Concluindo, os processos urgentes são uma concretização do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado nos artigos 20 e 268/4 e ss. da CRP, atendendo principalmente ao segundo momento destacado pela doutrina " o direito à obter uma decisão judicial em prazo razoável mediante um processo equitativo" e constituem dentro do contencioso administrativo os processos mais urgentes e prioritários tendo em conta a natureza dos direitos em questão.



Isabel Consuela dos Santos
Aluna nº14942

Bibliografia
José Carlos Vieira de Andrade, A justiça administrativa, 14a edição, 2015
Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida, Grandes linhas da reforma do
contencioso administrativo, 3a edição, 2004
Mário Aroso de Almeida, Manual de processo administrativo,2014
José Duarte Coimbra, "A revisão do CPTA e do ETAF: a reforma do contencioso
administrativo português, 5/10/2015

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