No
novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos (de ora em diante, CPTA),
são alterados os critérios gerais de concessão. Nomeadamente, na eliminação do
critério vertido pelo artigo 120.º/1 al. A) do CPTA a) “Quando seja evidente a
procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal,
designadamente por estar em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal,
de acto de aplicação de norma já anteriormente anulada ou de acto idêntico a
outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente”, que
conferia uma relação fulcral e exclusiva ao fumus
boni iuris[1]. A
eliminação do critério justificou-se como uma medida destinada a “promover a
agilidade dos processos cautelares, evitando a respetiva sobrecarga com a
produção desproporcionada e injustificada de prova” e, noutro prisma, por ter
sido “objeto de críticas e de uma aplicação jurisprudencial muito restritiva”[2].
Ana Gouveia Martins refere que se tem assistido a um “fenómeno de ‘cautelarização’
da justiça administrativa”, acabando por ser recorrente que as petições
iniciais apresentadas no processo principal constituam simples reprodução do
requerimento cautelar, apresentando por vezes menos extensão, porque se
suprimia a parte que dizia respeito aos critérios do periculum em mora e da ponderação de interesses, assim que apenas
se mantinham as considerações de Direito relativas ao critério fumus boni iuris, supra mencionado.
As alíneas
b) e c) do n.º1 do 120.º CPTA previam a alegação autónoma da verificação de uma
situação de periculum em mora e também
do juízo de ponderação dos diversos interesses em presença, “Nas situações
previstas nas alíneas b) e c) do número anterior, a adopção da providência ou
das providências será recusada quando, devidamente ponderados os interesses
públicos e privados, em presença, os danos que resultariam da sua concessão se
mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser
evitados ou atenuados pela adopção de outras providências” [3]
porém, excluía da alegação autónoma o critério da alínea a) do artigo 120.º/1
CPTA. O que se configurava, mais uma vez nas palavras de Ana Gouveia Martins,
numa “válvula de escape do sistema destinada a flexibilizar e facilitar a
concessão de providência cautelar sempre que, mais do que provável, a
procedência da pretensão formulada no processo principal se revelasse ostensiva”.[4]
Para além desta exceção, haveria sempre que apreciar
a verificação dos três requisitos dos quais ficaria dependente a concessão da
providência cautelar. Dependendo se fossem providências cautelares
conservatórias - que se destinam a manter um status quo, isto é, pretendem manter ou preservar a situação de
facto existente - ou antecipatórias - que são aquelas que visam prevenir um
dano, obtendo antecipadamente a disponibilidade de um direito ou de gozo de um
benefício a que o particular pretende ter direito, mas que lhe é negado-
estabelecia-se uma graduação diversa da relevância da aparência do bom direito.
Não fazia sentido pois implicava menos agilidade do processo cautelar o facto
de os requerentes, em sede de propugnar a atribuição de uma providência
cautelar de natureza meramente conservatória, na formulação negativa do fumus boni iuris, em que se afigurava apenas
ser relevante a falta de fundamentação da pretensão formulada ou a formular no
processo principal ou a existência de circunstâncias que obstavam o
conhecimento de mérito das questões, exigir a demonstração de evidência da
procedência da pretensão formulada através de detalhados argumentos legais de
fundamentação acompanhados de numerosas citações doutrinais e jurisprudenciais
que acabavam por esgotar as questões de direito e de facto numa lógica que se
afigurava contrária e, até mesmo, incompatível, com a simplicidade e celeridade
que caracterizam a tutela cautelar.
No entanto,
a escolha feita pelo legislador para alínea a) do artigo 120.º /1 CPTA, que
consagra o critério da evidência da aparência do bom direito, foi criticada por
alguma doutrina devido ao facto de se considerar que não se podia conceder a
providência cautelar sem que, para isso, se exigisse cumulativamente a
existência de uma situação de perigo na mora porque desnaturalizaria a figura
da tutela cautelar pois o perigo de retardamento ou de infrutuosidade da tutela
constituíam a razão de ser do instituto. Tiago Amorim considera que é sempre exigível
a verificação de perigo na mora para não se cair numa modalidade de tutela
sumária[5].
Numa outra posição, Vieira de Andrade dita que “o tribunal está dispensado de
fundamentar a sua decisão na comprovação desta perigosidade específica – no entanto,
mesmo nestas situações o perigo releva, na medida em que a providência só pode
ser pedida e concedida quando haja um interesse em agir que se manifeste no
fundamento do pedido, embora baste aí provar que assim se assegura alguma
utilidade À sentença”[6].
Já Mário Aroso de Almeida, em sentido contrário, manifesta-se contra estas interpretações
que limitam o critério consagrado no artigo 120.º/1 a) do CPTA, porém,
considera que a dispensa da necessidade de verificação do perigo na mora
implica que se atribua, então, à tutela concedida a natureza de uma tutela
sumária, acessória a um processo principal ou precária.[7]
Consequentemente,
a aplicação jurisprudencial o preceito mostrou-se restritiva sendo que se
prejudicou a operacionalidade do critério no domínio em que lhe competia atuar.
Neste sentido, Ana Gouveia Martins refere que, numa primeira aceção, se firmou
uma “orientação jurisprudencial no sentido de que «a qualidade de cognição
exigida pelo artigo 120.º/1 alínea a) do CPTA para o fumus boni iuris traduzida na expressão ‘evidente procedência da
pretensão formulada’ mede-se pelo caráter incontroverso [que não admita
dúvidas], patente [posto que visível sem mais indagações] e irrefragável [irrecusável,
incontestável] do presumível conteúdo favorável da sentença de mérito em causa
principal, derivado da cognição sumária das circunstâncias de facto e
consequente juízo subsuntivo na lei aplicável, efectuados no processo cautelar»[8]”.
Assim que, para se achar verificado o critério de evidência seria indispensável
que “as ilegalidades imputadas ao ato sejam notórias e visíveis sem necessidade
de qualquer elaborada indagação”[9]
de facto ou de direito para não se tratar de “uma evidência resultante de
demonstração, antes contestável a olho nu, de tal forma que o mero juiz célere
e sumário do julgador cautelar possa levar a uma certeza com evidentes repercussões
no julgamento da causa principal”[10].
Esta posição peca por se afigurar, muitas vezes, e ainda que a ilegalidade seja
manifesta, imprescindível o maior enquadramento factual e jurídico no requerimento
cautelar, ainda que seja evidente a procedência da pretensão a formular.
Outro
entendimento jurisprudencial foi aquele que quase neutralizou qualquer efeito
útil ao critério do 120.º/2 alínea a) e que ditava que só seriam relevantes
situações de nulidade e não de anulabilidade e que não relevaria, da mesma
forma, a procedência da pretensão principal que fosse fundada em vícios formais
e procedimentais, porque nestes casos a renovação do ato seria sempre possível.
E mesmo nos casos em que a evidência se alicerçava em vícios de fundo
considerou-se que nunca poderia ser afirmada a evidência da pretensão a
formular, já que nos artigos 45.º e 102.º do CPTA se previa a impossibilidade e
razões de interesse público poderiam obstar sempre à satisfação dos interesses
do autor. A tendência foi a de revogação em sede de recurso da aplicação do
preceito ainda que, em sede de 1º Instância, fosse decretada a providência
cautelar.
Por isto tudo, com a reforma do CPTA o critério da
alínea a) do artigo 120.º do CPTA foi excluído e consta do novo diploma apenas
aqueles critérios gerais preceituados nas alíneas c) e d) do mesmo artigo.
Inês Duarte Tavares
nº 21890
sb:1
[1] De bom direito; de aparência de bom
direito;
[2] Ponto 76, artigo 2.º da proposta de
Lei de Autorização Legislativa
[3] Martins, Ana Gouveia, “Os Critérios
de Atribuição das Providências Cautelares na Reforma do Código de Processo nos
Tribunais Administrativos” in Cadernos de Justiça Administrativa, (CJA) n.º
106, 2014 , p-59
[4] Martins, Ana Gouveia, “Os Critérios
de Atribuição das Providências Cautelares na Reforma do Código de Processo nos
Tribunais Administrativos” in Cadernos de Justiça Administrativa, (CJA) n.º
106, 2014, p-59, parágrafo 5;
[5] Amorim, Tiago, “As Providências Cautelares
do CPTA: Um Primeiro Balanço” in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 47,
2004, p. 41;
[6] Andrade, Vieira de, “A Justiça
Administrativa (Lições), 11.º edição, Almedina;
[7] Almeida, Mário de Aroso, Manual de
Processo Administrativo, Almedina, 2010;
[8] Cfr. Acórdão (AC) do Tribunal
Central Administrativo (TCA) Sul de 28/06/2007. No mesmo sentido Cfr, AC. Do TCA
Sul de 12/09/2013;
[9] CFR, Ac. Do Supremo Tribunal
Administrativo (STA) (Pleno) de 11/12/2007;
[10] Cfr. Ac. Do TCA Norte (1.ª Seção -
CA) de 11/12/2008, P. 1038/08.5BEBRG;
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