Contencioso
Administrativo e a Constituição da República
O
Contencioso Administrativo tem com a constituição um laço estreito. Este facto
tem porém sido contestado ao longo dos tempos, com opiniões dirigindo se
geralmente num de dois sentidos: existe efectivamente uma relação entre a
Constituição e o Contencioso Administrativo, falando-se nalguns casos de uma efectiva
“dependência” do Direito Administrativo relativamente à Constituição; outra
corrente sobre a temática rejeita tais pensamentos, afirmando que o Direito
Administrativo, embora tenha de ter em conta as disposições constitucionais não
está dependente da constituição (referida no livro do Professor Vasco Pereira
da Silva como a “perspectiva tradicional”), falando-se inclusive nalguns casos
que “O Direito Constitucional passa e o Direito Administrativo fica” (frase de
Otto Mayer).
É
hoje consensual a corrente doutrinária que trata o “Direito administrativo como
Direito Constitucional concretizado”. O Professor Vasco Pereira da Silva afirma
que a determinação do real significado desta expressão constitui uma questão
prévia essencial na determinação da verdadeira relação entre Direito
Constitucional e Direito Administrativo. É hoje ponto assente que o Direito
Administrativo e o Direito Constitucional têm uma relação de subordinação: os
preceitos administrativos têm forçosamente que obedecer aos princípios constitucionais
que os regulam. O mesmo pode ser dito para o direito processual ou civil, com
as normas de direito material terem necessariamente de estar congruentes com a
“norma fundamental”. É importante determinar em termo concretos o grau desta
dependência do direito constitucional. O Professor Vaso Pereira da Silva fala
que do ponto de vista processual “o Contencioso Administrativo tem uma relação
de dependência constitucional que faz dele Direito Constitucional
concretizado”. O Professor menciona ainda que matérias como a organização
Administrativa, assim como o seu funcionamento, actuação e procedimentos foram
de certa forma “promovidas” a princípios, visto incluírem regras que abrangem
matérias como a competência dos tribunais e os direitos dos cidadãos nos processos
administrativos. Com os movimentos constitucionais do séc. XX é confirmada
tanto a natureza jurisdicional dos órgãos encarregados de julgar a
administração como é afirmada a função e a natureza subjectiva do Contencioso
Administrativo, no sentido em que com este se garante a protecção efectiva de
direitos fundamentais pelos seus titulares, os cidadãos.
Com
estas alterações verifica-se a efectiva dependência do Direito Administrativo
em função ao Direito Constitucional, sendo este remodelado de forma a encarnar
e proteger os princípios constitucionais fundamentais. Com esta alteração cai a
perspectiva tradicional de que o Direito Administrativo teria uma posição
superior àquela do Direito Constitucional.
O
Professor Vasco Pereira da Silva diz porém que não é apenas o Direito
Administrativo que está dependente do Direito Constitucional, operando também o
inverso. Sendo que o Contencioso Administrativo visa a protecção dos direitos
fundamentais dos cidadãos face ao Estado este tem que se guiar por regras que efectivamente concretizem os mesmos princípios. Só com as regras de direito
substantivo, as regras procedimentais e as regras processuais é possível
providenciar uma efectiva tutela dos direitos fundamentais previstos na
constituição. Desta forma podemos afirmar que não existe uma mera subordinação
de um a outro, mas sim uma relação de subsidiaridade que permite a eficaz
protecção dos direitos fundamentais.
Debruçamo-nos
agora no caso concreto Português. A CRP
estabelece o Contencioso Administrativo como um sistema “integralmente
jurisdicionalizado e destinado À tutela plena e efectiva dos direitos dos
particulares nas relações jurídicas administrativas”. Tal decorre dos artigos
202 e seguintes da CRP assim como do artº 268 nºs 4 e 5. Tal ocorre em conformidade
com o anteriormente descrito: observa-se a garantia de controlo jurisdicional
da Administração na CRP assim como à consagração de direitos fundamentais,
nomeadamente o direito de acesso à Justiça Administrativa.
A Constituição de 1976 é descrita pelo Professor Vasco Pereira da
Silva como “uma constituição de compromisso” e é relativamente ineficaz em
termos de mudanças no plano do Contencioso Administrativo, pois tenta um
“meio-termo” entre um modelo jurisdicionalizado do direito administrativo e
destinado à tutela dos direitos dos particulares e o modelo antigamente
existente, mais gerido por uma ideia de auto.controlo da Administração do que a
defesa dos direitos dos particulares. Este compromisso foi alterado com a
revisão de 1982, dando-se maior influência à protecção jurídica individual,
acrescentando ao artº 268 nº3 CRP dois elementos:prevê o recurso
independentemente da forma dos actos praticados e inclui a possibilidade de no
recurso se obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente
protegido. Com a revisão de 1989 observa-se uma acentuação da
jurisdicionalização e subjectivação do Contencioso administrativo,
estabelecendo jurisdição própria dos tribunais administrativos e fiscais
(artigos 211º e 214º CRP 1989), passo fulcral para a institucionalização plena
da Justiça Administrativa. Com estas alterações, adicionando-se também as
mudanças relativamente aos particulares: com estas alterações o particular
passa a ser um sujeito de direito que estabelece relações como a administração,
afastando a versão pré 1976 que via o particular como “um mero administrado”.
A reforma de 1997 vem regular de novo a garantia constitucional de acesso à
justiça Administrativa, ao colocar como pedra fundamental do Processo Administrativo o princípio da
protecção plena e efectiva dos direitos dos particulares; ao consagrar um
sistema de plena jurisdição e também ao incluir expressamente o direito
fundamental de impugnação de normas.
Porém,
na opinião do Professor Vasco Pereira da Silva manteve-se atè à reforma de 2004
uma situação de conflito entre o modelo constitucional e a legislação do
processo administrativo. A Reforma de 2004, na sua opinião, vem adquirir um
estatuto análogo ao de uma “Lei Fundamental” visto regular as questões
infra-estruturais do Contencioso Administrativo.
Actualmente,
é também relevante demonstrar a importância do art. 20º CRP. É esta norma que
enuncia um dos maiores e mais relevantes princípios do Direito. Não só a nível
Administrativo, esta norma apresenta-nos o acesso ao direito e tutela
jurisdicional efectiva, assegurando que todos os cidadãos têm direito ao acesso
à justiça para defender os seus interesses legítimos e direitos.
É
também a CRP que defende ainda as garantias de legalidade e garantias dos
administrados no processo administrativo, cujo cerne são as os direitos e
garantias legítimas dos administrados, os particulares.
No
entendimento do Professor Marcello Caetano, as garantias são “todos os meios
criados pela ordem jurídica com a finalidade imediata de prevenir ou remediar
as violações do direito objectivo vigente (...) ou as ofensas dos direitos
subjectivos”. Desta forma, deve-se entender assim que não é o Contencioso
Administrativo que per si realiza e
aplica as garantias, mas é a Constituição da República Portuguesa que procura
criar estas garantias, concretizadas e densificadas através do Processo
Administrativo.
Ricardo Miranda, aluno nº 20592
Bibliografia:
CAETANO,
Marcello. Manual de Direito Administrativo- Vol I. Almedina, 2015.
SILVA,
Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo mo Divã da Psicanálise, 2ª
Edição, 2009
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