sábado, 12 de dezembro de 2015

O Contencioso Administrativo e a Constituição

Contencioso Administrativo e a Constituição da República


O Contencioso Administrativo tem com a constituição um laço estreito. Este facto tem porém sido contestado ao longo dos tempos, com opiniões dirigindo se geralmente num de dois sentidos: existe efectivamente uma relação entre a Constituição e o Contencioso Administrativo, falando-se nalguns casos de uma efectiva “dependência” do Direito Administrativo relativamente à Constituição; outra corrente sobre a temática rejeita tais pensamentos, afirmando que o Direito Administrativo, embora tenha de ter em conta as disposições constitucionais não está dependente da constituição (referida no livro do Professor Vasco Pereira da Silva como a “perspectiva tradicional”), falando-se inclusive nalguns casos que “O Direito Constitucional passa e o Direito Administrativo fica” (frase de Otto Mayer).
É hoje consensual a corrente doutrinária que trata o “Direito administrativo como Direito Constitucional concretizado”. O Professor Vasco Pereira da Silva afirma que a determinação do real significado desta expressão constitui uma questão prévia essencial na determinação da verdadeira relação entre Direito Constitucional e Direito Administrativo. É hoje ponto assente que o Direito Administrativo e o Direito Constitucional têm uma relação de subordinação: os preceitos administrativos têm forçosamente que obedecer aos princípios constitucionais que os regulam. O mesmo pode ser dito para o direito processual ou civil, com as normas de direito material terem necessariamente de estar congruentes com a “norma fundamental”. É importante determinar em termo concretos o grau desta dependência do direito constitucional. O Professor Vaso Pereira da Silva fala que do ponto de vista processual “o Contencioso Administrativo tem uma relação de dependência constitucional que faz dele Direito Constitucional concretizado”. O Professor menciona ainda que matérias como a organização Administrativa, assim como o seu funcionamento, actuação e procedimentos foram de certa forma “promovidas” a princípios, visto incluírem regras que abrangem matérias como a competência dos tribunais e os direitos dos cidadãos nos processos administrativos. Com os movimentos constitucionais do séc. XX é confirmada tanto a natureza jurisdicional dos órgãos encarregados de julgar a administração como é afirmada a função e a natureza subjectiva do Contencioso Administrativo, no sentido em que com este se garante a protecção efectiva de direitos fundamentais pelos seus titulares, os cidadãos. 
Com estas alterações verifica-se a efectiva dependência do Direito Administrativo em função ao Direito Constitucional, sendo este remodelado de forma a encarnar e proteger os princípios constitucionais fundamentais. Com esta alteração cai a perspectiva tradicional de que o Direito Administrativo teria uma posição superior àquela do Direito Constitucional.
O Professor Vasco Pereira da Silva diz porém que não é apenas o Direito Administrativo que está dependente do Direito Constitucional, operando também o inverso. Sendo que o Contencioso Administrativo visa a protecção dos direitos fundamentais dos cidadãos face ao Estado este tem que se guiar por regras que efectivamente concretizem os mesmos princípios. Só com as regras de direito substantivo, as regras procedimentais e as regras processuais é possível providenciar uma efectiva tutela dos direitos fundamentais previstos na constituição. Desta forma podemos afirmar que não existe uma mera subordinação de um a outro, mas sim uma relação de subsidiaridade que permite a eficaz protecção dos direitos fundamentais.
Debruçamo-nos agora no caso concreto Português.  A CRP estabelece o Contencioso Administrativo como um sistema “integralmente jurisdicionalizado e destinado À tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares nas relações jurídicas administrativas”. Tal decorre dos artigos 202 e seguintes da CRP assim como do artº 268 nºs 4 e 5. Tal ocorre em conformidade com o anteriormente descrito: observa-se a garantia de controlo jurisdicional da Administração na CRP assim como à consagração de direitos fundamentais, nomeadamente o direito de acesso à Justiça Administrativa.
Constituição de  1976  é descrita pelo Professor Vasco Pereira da Silva como “uma constituição de compromisso” e é relativamente ineficaz em termos de mudanças no plano do Contencioso Administrativo, pois tenta um “meio-termo” entre um modelo jurisdicionalizado do direito administrativo e destinado à tutela dos direitos dos particulares e o modelo antigamente existente, mais gerido por uma ideia de auto.controlo da Administração do que a defesa dos direitos dos particulares. Este compromisso foi alterado com a revisão de 1982, dando-se maior influência à protecção jurídica individual, acrescentando ao artº 268 nº3 CRP dois elementos:prevê o recurso independentemente da forma dos actos praticados e inclui a possibilidade de no recurso se obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido. Com a revisão de 1989 observa-se uma acentuação da jurisdicionalização e subjectivação do Contencioso administrativo, estabelecendo jurisdição própria dos tribunais administrativos e fiscais (artigos 211º e 214º CRP 1989), passo fulcral para a institucionalização plena da Justiça Administrativa. Com estas alterações, adicionando-se também as mudanças relativamente aos particulares: com estas alterações o particular passa a ser um sujeito de direito que estabelece relações como a administração, afastando a versão pré 1976 que via o particular como “um mero administrado”. A reforma de 1997 vem regular de novo a garantia constitucional de acesso à justiça Administrativa, ao colocar como pedra fundamental  do Processo Administrativo o princípio da protecção plena e efectiva dos direitos dos particulares; ao consagrar um sistema de plena jurisdição e também ao incluir expressamente o direito fundamental de impugnação de normas.
Porém, na opinião do Professor Vasco Pereira da Silva manteve-se atè à reforma de 2004 uma situação de conflito entre o modelo constitucional e a legislação do processo administrativo. A Reforma de 2004, na sua opinião, vem adquirir um estatuto análogo ao de uma “Lei Fundamental” visto regular as questões infra-estruturais do Contencioso Administrativo.
Actualmente, é também relevante demonstrar a importância do art. 20º CRP. É esta norma que enuncia um dos maiores e mais relevantes princípios do Direito. Não só a nível Administrativo, esta norma apresenta-nos o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, assegurando que todos os cidadãos têm direito ao acesso à justiça para defender os seus interesses legítimos e direitos.
É também a CRP que defende ainda as garantias de legalidade e garantias dos administrados no processo administrativo, cujo cerne são as os direitos e garantias legítimas dos administrados, os particulares.
No entendimento do Professor Marcello Caetano, as garantias são “todos os meios criados pela ordem jurídica com a finalidade imediata de prevenir ou remediar as violações do direito objectivo vigente (...) ou as ofensas dos direitos subjectivos”. Desta forma, deve-se entender assim que não é o Contencioso Administrativo que per si realiza e aplica as garantias, mas é a Constituição da República Portuguesa que procura criar estas garantias, concretizadas e densificadas através do Processo Administrativo.

Ricardo Miranda, aluno nº 20592

Bibliografia:
CAETANO, Marcello. Manual de Direito Administrativo- Vol I. Almedina, 2015.

SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo mo Divã da Psicanálise, 2ª Edição, 2009

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