segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

O papels dos contra-interessados no Contencioso Administrativo

O presente comentário visa a abordagem do papel dos contra-interessados no Contencioso Administrativo, nomeadamente em sede de impugnação de actos administrativos, em que a sua presença se afigura de crucial importância. 

Começando por uma introdução a esta figura enquanto parte na relação jurídica controvertida, os contra-interessados surgem na acção como parte acessória, com um interesse directo e imediato em que não se dê provimento à acção. Em regra são particulares em processos dirigidos contra a Administração, embora se admita que possam figurar entidades públicas. Aos contra-interessados são-lhes conferidos todos os poderes processuais próprios das partes, designamente de contestar, alegar ou opor à dispensa de alegação, requerer providências cautelares e recorrer. Diferem todavia dos co-interessados, também terceiros com interesse directo na procedência do pedido por parte do autor, mas que devem ser tratados como assistentes. 

Como ficou acima explicitado, é em sede de impugnação de actos administrativos que os contra-interessados assumem maior importância, tratando-se aqui de determinar o seu fundamento e a sua função. Existem várias situações de impugnação de actos em que é fácil identificar que pessoas serão directamente prejudicadas, porém, outras situações existem em que tal identificação se torna mais nebulosa. Tomando como exemplo um concurso público, situação que implica hierarquização e graduação de vários candidatos, em que três deles obtiveram a respectiva classificação de A, B  e  C. Se C quiser impugnar a classificação de A, deve também citar B a título de contra-interessado? O que se pretende então é determinar o fundamento e a função dos contra-interessados no Contencioso Administrativo. A figura dos contra-interessados encontra-se prevista no artigo 57.° do CPTA. Verifica-se hoje que no Direito Administrativo a figura do "terceiro" reveste um carácter algo complexo e isto deve-se em grande parte à crescente actuação do Direito Público, nomeadamente nas áreas do Urbanismo, Ambiente, Economia e Património em que, não só os efeitos decorrentes desta actuação se projectam na esfera do verdadeiro destinatário, como também existem outras pessoas que podem vir a beneficiar ou a sofrer com a produção desses efeitos. Pode-se falar assim numa natureza multipolar ou plurilateral da actuação administrativa.

Nos termos do artigo 57.° do CPTA, a demanda dos contra-interessados é obrigatória, sob pena do processo de impugnação ser recusado por ilegitimidade passiva. Em torno da participação dos contra-interessados cria-se uma dupla situação de litisconsórcio necessário passivo, nos seguintes termos:

i) Há um litisconsórcio necessário passivo entre a parte que impugna o acto e os contra-interessados

ii) Há um litisconsórcio necessário passivo entre todos os contra-interessados, pois que a falta de chamamento de um deles é igualmente gerador de ilegitimidade passiva


Quanto à razão de ser da intervenção processual dos contra-interessados, porque é que esta se configura como um ónus a cargo do autor, na medida em que este obrigatoriamente deve demandar os contra-interessados nos termos do artigo 57° do CPTA, e porque é que a sua omissão tem como consequência a ilegitimidade passiva? Em respost a esta questão existe quem defenda que os contra-interessados têm um papel auxiliar ou de substituto processual da Administração, numa espécie de reforço da postura de defesa de manutenção do acto recorrido. O Professor Paulo Otero discorda desta opinião. No seu entendimento, a figura dos contra-interessados não tem como fim a colaboração da Administração na defesa da validade do acto impugnado ou do interesse público que está subjacente na sua manutenção. O fundamento da intervenção dos contra-interessados no processo assenta numa dupla função de tutela subjectiva e objectiva. 

i) Função subjectivista da intervenção: o chamamento ao processo de contra-interessados visa a defesa de interesses próprios. O contra-interessado é titular de interesses que podem ser directamente afectados com o provimento da impugnação. Ele é materialmente titular de interesses que justificam a sua intervenção no processo e isso é também uma manifestação do princípio constitucional de acesso à justiça (artigo 20° da CRP), garantido a todas as pessoas. Além de se estar a salvaguardar o acesso livre à justiça, está também aqui em causa uma tutela efectiva dos interesses dos administrados, prevista no artigo 266°, nr.° 1 da CRP. O respeito pelas posiçōes jurídicas dos particulares é um limite à actividade administrativa, isto é, a prossecução do interesse público nunca pode ser feita sem ponderar os direitos e interesses legítimos dos administrados). Completando com o disposto no artigo 268.° nr.° 4 da CRP, devem existir meios contenciosos tendentes a garantir a defesa desses mesmos direitos e interesses quando estes são lesados ou ameaçados.

ii) Função objectivista da intervenção: a tutela objectivista da intervenção dos contra-interessados prende-se com a amplitude do efeito útil da decisão, isto é, a haver uma decisão que lese directamente os interesses de terceiros e estes nunca tenham sido chamados a intervir, essa decisão não lhes serà oponível. Quer isto significar que esses terceiros não se encontram compreendidos no âmbito da eficácia subjectiva do caso julgado, daí que a anulação judicial do acto impugnado não lhes será oponível. Deste modo, a intervenção dos contra-interessados funciona assim como instrumento de extensão da eficácia subjectiva do caso julgado. Apenas quem tenha participado no processo fica abrangido pela decisão. A utilidade plena da sentença depende desta intervenção processual.

Em síntese, pode-se dizer que existe uma função mista da intervenção dos contra-interessados. 

O segundo problema a colocar prende-se com a determinação do contra-interessado, especialmente numa situação concursal. Quem pode figurar como contra-interessado? Apenas quem tenha sido directamente lesado com a actuação administrativa, todos os intervenientes, ou apenas quem ficou acima do prejudicado? Cabe referir antes de mais que o núcleo essencial da figura do contra-interessado tem que ver com a existência de interesses de terceiros que podem ser prejudicados. Todavia esta avaliação pressupõe que se faça um juízo de prognose, que deve ser primeiro formulado pelo autor, posteriormente pelo Ministério Público e depois pelo juiz. Este juízo de prognose deve ser formulado a partir do próprio conteúdo do acto impugnado e da inerente projecção subjectiva dos seus efeitos fazendo-se uma estimativa de como uma eventual decisão judicial de anulação desse acto a sua sentença atingirão directamente posições jurídicas subjectivas de terceiros.

Por fim, a determinação do interessado deve considerar-se nas seguintes situações:

i) O acto impugnado é fonte de situaçōes jurídicas para terceiros
ii) Uma eventual sentença de provimento da impugnação opere efeitos directos sobre a esfera de terceiro
iii) O autor na petição inicial configure a situação em termos que se mostram susceptíveis de um eventual provimento da impugnação prejudicar terceiros


Bibliografia consultada:

Vieira de Almeida, Justiça Administrativa, Almedina 2014
Paulo Otero, Os contra-interessados em contencioso administrativo: fundamento, função e determinação do universo em recurso contencioso de acto final de procedimento concursal in "Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, págs. 1073-1102, Coimbra Editora, 2001


Filipa Otero
N.° 21449 

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