segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Os pressupostos processuais

            Sabemos que os particulares ou qualquer outra entidade recorrerá aos tribunais quando, em algum momento, precisarem de tutela jurisdicional para ver garantidos os seus direitos ou interesses que por qualquer motivo carecem de proteção. Para tal é necessário que algumas condições estejam verificadas para que essa tutela possa efetivamente ser exercida e o particular possa validamente aceder à justiça de forma a ver defendidos os seus interesses.
            As condições que refiro são os designados pressupostos processuais, ou seja, “os elementos de cuja verificação depende, num determinado processo, o poder-dever do juiz de se pronunciar sobre o fundo da causa, isto é, de apreciar o mérito do pedido formulado e de sobre ele proferir uma decisão, concedendo ou indeferindo a providência requerida”[1]. Como podemos ver, a verificação é de facto essencial pois sem esse preenchimento obsta-se a que o tribunal possa validamente conhecer o mérito da causa e apreciar as matérias de facto e de direito do caso concreto. E obsta-se nos mesmos termos do Processo Civil, ou seja, através de uma exceção dilatória de acordo com os artigos 89º do CPTA e 576º/2 e 577º do CPC, que levam à absolvição do réu da instância.
            Deste modo, temos vários tipos de pressupostos processuais. A primeira distinção faz-se entre gerais, no caso de pressupostos que limitam o conhecimento do mérito de qualquer litígio administrativo, e especiais, que carecem de preenchimento em tipos de ações ou meios processuais específicos.
            Em seguida, podemos distinguir pressupostos positivos, “cuja verificação obriga o juiz a conhecer do mérito da causa”[2], e negativos, aqueles cuja verificação o impede de o fazer.
            Podemos também distinguir os absolutos, que podem ser conhecidos oficiosamente, dos relativos, que podem/devem ser invocados pelas partes, mas cuja falta pode ser sanada ou até considerar-se irrelevante.
            E por último, fazemos a distinção conforme sejam relativos ao tribunal, às partes ou ao processo em concreto.
            Por esta via, analisemos os pressupostos relativos ao Tribunal. O primeiro pressuposto refere-se à competência do órgão jurisdicional. A competência absoluta que se refere à questão de saber se a ação pode ser apreciada no âmbito de jurisdição dos tribunais administrativos nacionais. Quanto à competência relativa, estará preenchida se o tribunal onde se instaura a ação é competente em razão da matéria, da hierarquia e do território. No entanto, a consequência da sua não verificação é diferente no processo administrativo em relação ao processo civil. Enquanto neste se desencadeia a impossibilidade de conhecimento do mérito da causa, naquele, só a incompetência absoluta permitirá absolver o réu da instância embora seja permitido ao interessado remeter a causa para o tribunal competente nos 30 dias seguintes, considerando-se que a ação foi proposta na data em que se propôs a primeira ação. Em caso de incompetência relativa haverá remessa oficiosa do processo para o tribunal competente. Da mesma forma se pode arguir a incompetência do tribunal em que se propõe a ação quando este é um tribunal permanente e se viola, por esse motivo, uma acordo que obrigava à resolução do litígio por um tribunal arbitral e que, subsidiariamente, nos termos do processo civil, não é de conhecimento oficioso, devendo ser invocada a preterição pelo réu.
            O segundo e último pressuposto relativamente ao tribunal indica-nos o momento em que se deve determinar a competência jurisdicional. Segundo o princípio da perpetuação do foro a referida competência afere-se no momento da propositura da ação.
            Já quanto às Partes cabe examinar os respetivos pressupostos. O primeiro será a personalidade judiciária que tal como no processo civil se define como “a suscetibilidade de ser parte no processo”. Cabe referir que, até 2002, a legitimidade passiva nos processos impugnatórios era reconhecida aos órgãos administrativos de onde emanavam os atos ou normas a impugnar. Hoje, a legitimidade é atribuída às pessoas coletivas a que pertencem esses órgãos.
            O segundo pressuposto será a capacidade judiciária que prevê a “suscetibilidade de uma pessoa estar por si em juízo” e que também esta se confunde em certa medida com o conceito do direito processual civil. Importa destacar que no que se refere às entidades públicas, a capacidade “é determinada pela competência do órgão para representar a pessoa coletiva”[3] e que provém da lei. Já em relação ao Estado, será representado pelo Ministério Público, enquanto entidade competente para essa representação.
            O patrocínio judiciário, enquanto pressuposto processual, é, em princípio, obrigatório de acordo com o artigo 11º/1 do CPTA. No entanto, em 2015 passou a ser possível que a representação por representante que não seja advogado ou solicitador mas “apenas” licenciado em Direito desde que cumpra os deveres deontológicos exigidos a qualquer representante.
            No que toca à legitimidade das partes temos de distinguir entre ativa e passiva. A primeira implica que o interessado seja efetivamente o titular do direito que invoca, a segunda será aferida pelo facto de, caso a ação seja procedente, a parte ser prejudicada por essa circunstância, o que denota uma relação de correspondência entre si. É hoje definida pela lei a legitimidade ativa direta que considera o autor “como parte legítima quando alegue ser parte na relação jurídica (material ou substancial) controvertida, isto é, em função da titularidade de um direito ou interesse legalmente protegido”. Em contrapartida, a legitimidade passiva pertencerá à parte que é titular do dever correspondente ao direito invocado, em regra, uma pessoa coletiva pública e também aos terceiros contra-interessados, enquanto prejudicados diretos com a procedência do pedido.
            O quinto e último pressuposto relativo às partes é a aceitação do ato, que consiste na impossibilidade de impugnação judicial de ato pela parte que anteriormente já o havia aceitado ou com o qual havia concordado. Trata-se, portanto, de um pressuposto negativo. Importa destacar que no âmbito deste pressuposto há doutrina que distingue aceitação do ato (ou da pretensão) em termos substantivos da renúncia ao direito de o impugnar como é o caso do Professor Rui Machete[4], posição com a qual não concorda o Professor Vieira de Andrade ao defender que a aceitação do ato não vale como declaração negocial e apenas como “mero ato jurídico” afetando a posição jurídica substantiva e processual da parte passiva e com o qual devo expressar concordância.
            Em último lugar cabe-nos invocar os pressupostos relativos ao Processo. Nesta sede exige-se, em primeiro lugar, ao interessado, que recorra ao meio processual adequado à sua pretensão e que só por essa via consiga obter a tutela judicial desejada.
            Um segundo pressuposto será a necessidade de tutela judicial que é normalmente referida como “interesse processual” e que obriga a que haja um interesse real e atual do interessado, ou seja, que este retire alguma utilidade da procedência da ação.
            A tempestividade, enquanto pressuposto, implica que exista um prazo contínuo que não provoca a suspensão fora dos dias úteis ou em férias judiciais como prevê o artigo 58º/2 do CPTA. Neste âmbito destaca-se a diferença de prazos de impugnação do Ministério Público, que é mais longo (1 ano) e que segue o regime típico de um prazo de caducidade e a sua decorrência determina a formação de “caso decidido”, ou seja, torna-se impossível a impugnação do ato. Por outro lado, para os interessados, o prazo só começa a contar a partir do momento em que o interessado é notificado, em que tem conhecimento ou no momento da execução. Outra diferença passa também pela não formação de caso decidido pelo decurso do tempo. Além destes casos, o artigo 58º/3 do CPTA prevê já casos em que é possível a impugnação para além do prazo de 3 meses. “O prazo de impugnação do particular constitui, pois, um prazo de caducidade especial, suscetível de suspensão e de interrupção”[5].
            O quarto pressuposto prevê a interpelação administrativa prévia em certos casos. Acontece que muitas vezes a Administração pratica um ato que apesar de já poder ser impugnado pelos destinatários, ainda não é um ato definitivo por não consistir na “última palavra da Administração” e como tal, partilhando da opinião de que não existe qualquer restrição ao direito de acesso à justiça e aos tribunais, há casos em que previamente deve existir uma impugnação administrativa necessária como são os casos que a lei prevê de acordo com a 2ª parte do 185º/2 do CPA. No entanto, confirma-se a possibilidade em geral de qualquer ato da Administração poder, salvas as exceções legais imperativas, ser impugnado.
            Finalmente, resta referir que obstará à apreciação do mérito da causa quando exista uma cumulação ilegal de pedidos, que resulta da preterição de alguma das exigências previstas no artigo 4º do CPTA, ou seja, quando a causa de pedir seja distinta ou não exista qualquer conexão material entre os diferentes pedidos. Destaque ainda para a litispendência e o caso julgado a litispendência, que são de conhecimento oficioso, e que impedem o conhecimento do mérito da ação quando haja uma repetição de uma causa com os mesmos elementos essenciais, quando seja formulado um pedido idêntico perante outro tribunal nacional e sobre o qual este já esteja a pronunciar-se ou já tenha havido sentença onde se decidiu o caso concreto, respetivamente.
            A essencialidade adjetiva dos elementos enunciados determina uma espécie de primeira fase do processo que se prende com aspetos formais/processuais que, uma vez verificados permitem às partes ter a certeza de que as suas pretensões vão ser analisadas e que os aspetos substantivos da ação determinarão a apreciação do mérito da causa pelo tribunal.




[1] José Carlos Vieira de Andrade “A justiça Administrativa”, 14ª Edição, Almedina
[2]  José Carlos Vieira de Andrade “A justiça Administrativa”, 14ª Edição, Almedina
[3] José Carlos Vieira de Andrade “A justiça Administrativa”, 14ª Edição, Almedina
[4] Rui Machete “sanação (do ato administrativo inválido)”, in DJAP, vol. VII, 1996, página 327 e ss.
[5]  José Carlos Vieira de Andrade “A justiça Administrativa”, 14ª Edição, Almedina
   

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