Pressupostos
processuais das acções administrativas comuns no domínio contratual da função
administrativa
No que respeita à especificidade das regras relativas aos
pressupostos processuais das acções comuns, no domínio da contratação
administrativa, há que equacionar as questões de legitimidade (art.40º CPTA).
A lógica tradicional encarava a questão da legitimidade
de uma óptica exclusivamente bipolar, interpretando de forma restritiva as
disposições legislativas que se referiam às partes, e considerando apenas a intervenção
judicial dos efectivos contratantes. Esta óptica bilateralista estrita foi
muito criticada, tanto em razão dos respectivos fundamentos como dos resultados
práticos a que chegava, por parte de certos sectores da doutrina Professora
Maria João Estorninho, que defendiam antes o alargamento da legitimidade no
domínio contratual a outros sujeitos lesados, quer na qualidade de terceiros,
quer como sujeitos de relações multilaterais.
Da perspectiva do Professor Vasco Pereira da Silva,
independentemente de estar em causa um contrato, um acto ou qualquer outra
forma de exercício da actividade administrativa, sempre que os particulares
sejam afectados por essa actuação e sejam merecedores de protecção jurídica,
eles não são terceiros em face de uma relação jurídica estabelecida entre
outros privados e a Administração Pública, mas são partes de uma relação
multilateral, que se considera existir, e que abrange as autoridades
administrativas, os privados que são destinatários da actuação administrativa,
assim como aqueles que são por ela afectados.
O CPTA vai produzir uma ruptura com esta perspectiva
fechada de entendimento da legitimidade no contencioso contratual da AP,
alargando os poderes de intervenção no processo, não só aos intervenientes do
contrato, mas a todos os interessados e até mesmo ao MP e ao actor popular
(art.40º CPTA).
O Código começa por distinguir 2 hipóteses, a dos pedidos
relativos à interpretação e à validade dos contratos (art.40º/1) e a dos
pedidos relativos à respectiva execução (art.40º/2).
Em primeiro lugar, no que respeita a pedidos relativos à
validade, total ou parcial, dos contratos da função administrativa
estabelecem-se as seguintes categorias de sujeitos dotados de legitimidade
processual (art.40º/1 CPTA):
1.
Os contraentes
2.
Todos os particulares
susceptíveis de ser lesados nos respectivos direitos pela celebração do
contrato
3.
O MP
4.
O actor popular
Consagra-se assim uma solução de alargamento da
legitimidade a todos os particulares afectados nas suas posições jurídicas
subjectivas pelo contrato, concretizando em matéria de contratos
administrativos, o princípio da protecção plena e efectiva dos direitos dos
particulares (art.268º/4 CRP).
Já não parece ser razoável a opção do legislador de
alargar o universo de legitimidade para além da protecção jurídica subjectiva,
nomeadamente através da acção popular, admitindo que, mesmo aqueles que não
possuam “interesse pessoal na demanda” (art.9º/2 CPTA), possam intervir no
contencioso relativo a um contrato da função administrativa. O que está em
causa é uma actuação administrativa baseada num negocio jurídico bilateral, em
que a produção de efeitos decorre da vontade das partes, e não perante uma
relação decorrente de uma actuação unilateral da Administração Pública.
A própria noção de contrato parece ser incompatível com a
lógica da abertura do processo a quem nada tenha a ver com tal relação
jurídica, como é o caso do actor popular, pois não faz sentido considerar que
os direitos constituídos pela via contratual são, simultaneamente, relativos e
absolutos, decorrentes da vontades das partes e oponíveis erga omnes,
integrantes de uma relação criada por sujeitos determinados mas aberta a toda a
colectividade.
Em segundo lugar, no que respeita aos pedidos relativos à
execução dos contratos da função administrativa, o Código consagrou igualmente
uma situação de ampliação da legitimidade (art.40º/2 CPTA), identificando
categorias similares de sujeitos, a saber:
1)
os contraentes
2)
os particulares
lesados nos seus direitos pela execução do contrato, quer em razão do
respectivo clausulado, quer por terem sido preteridos no procedimento prévio
3)
o Ministério Público,
mas apenas quando estiver em causa um interesse público especialmente relevante
4)
o actor popular
O legislador chega ao mesmo resultado de considerar que
para além dos contraentes, gozam também de legitimidade outros particulares
afectados pela relação contratual, assim como o actor público e o actor
popular.
Os critérios de aferição da legitimidade para o Ministério
Público parecem ser mais exigentes dos que o do actor popular, já que só se
permite a intervenção do primeiro em caso de interesse público especialmente
relevante, o que não se exige no segundo caso. Por um lado, os interesses de
defesa da legalidade e do interesse público, que tanto o Ministério Público
como o actor popular prosseguem, mediante o direito de acção em juízo, em
geral, revestem-se sempre de especial relevância – pois, estão em causa valores
e bens constitucionalmente protegidos como resulta do art.9º/2 CPTA -, não se
percebendo porque é que em matéria de contratos tal relevância deveria ser
ainda mais especial. Ainda mais tratando-se o primeiro de um organismo
estadual, a quem está cometida a tarefa de zelar, a titulo institucional, pela
defesa da legalidade e do interesse público (art.219º CRP).
Não apenas introduz um alargamento desmesurado da
legitimidade, dado que admite a intervenção de quem não possua qualquer
interesse pessoal na demanda, o que é contraditório com a natureza da relação
contratual controvertida; como também regula esse alargamento objectivo de
forma incorrecta pois ele deveria realizar-se antes através do mecanismo da
acção pública e não do da acção popular.
Especifica do contencioso contratual é também a regra do
pressuposto processual da opportunidade. Enquanto a acção administrativa comum,
em geral, não está sujeita a qualquer prazo (art.41º/1 CPTA), já no que
respeita à impugnação de contratos da função administrativa existe uma regra
especial, segundo a qual os pedidos de anulação, total ou parcial, de contratos
podem ser deduzidos no prazo de 6 meses contados da data da celebração do
contrato, ou, quanto a terceiros, do conhecimento do seu clausulado (art.41º/2
CPTA).
O fundamento da regra parece ser o da criação de um
paralelismo entre a regulação aplicável à impugnação de actos e à impugnação de
contratos, mas é duvidosa esta asserção, dado que as exigências de estabilidade
e da tutela da confiança dos particulares, que justificam os prazos para reagir
contra as actuações unilaterais, não se colocam da mesma maneira perante um
negocio jurídico bilateral, em que a produção de efeitos decorre do próprio acordo
de vontades entre as partes.
É necessário interpretar a previsão de tais prazos de
forma restritiva, nomeadamnete não a alargando aos pedidos de condenação, que
devem poder ser propostos a todo o tempo, da mesma maneira que se deve
considerar que aqueles não possuem qualquer efeito preclusivo do julgamento
futuro das relações contratuais (aplicando aqui, por analogia, o regime
previsto, no art.38º CPTA, sob pena de se estar a criar um regime de
inimpugnabilidade mais gravoso para os contratos da função administrativa do
que para os actos administrativos, o que seria um absurdo).
®
Se a regulação de
pressupostos processuais para o contencioso administrativo dos contratos é
positiva na medida em que reconhece a “autonomia contenciosa” dessa forma de
actuação, já o estabelecimento de regras, cujo conteúdo conduza a um tratamento
processual equiparado de actos e de contratos não se afigura ser “saudável”.
Márcia Carvalho nº 20705
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