Com a reforma do Contencioso Administrativo de 2002/2004, em que
esteve patente o “alargamento do âmbito
de jurisdição administrativa ao universo
das relações jurídicas administrativas e fiscais (concretizando assim o
paradigma constitucional, constante do artigo 212º, nº3, da Constituição)”
extinguiu-se os sintomas de “dualidade esquizofrénica”, consagrando-se “uma
nova unidade jurisdicional”.[i]
Unidade essa marcada pela transposição de fontes comunitárias no âmbito da
Contratação Pública.
O Projecto de Revisão do CPTA suscitou grandes alterações ao regime
do contencioso pré-contratual (consagrado nos arts.100º a 103º do CPTA), tendo
por base a influência do Direito da União Europeia. Essas alterações visavam, algumas, “harmonizar o regime contencioso ao regime
substantivo” e, outras, “esclarecer aspectos discutidos na doutrina e
jurisprudência”.
Debruçando-nos sobre as inovações propriamente ditas, iremos
analisar os matérias sobre as quais estas incidiram, nomeadamente: o Âmbito; a
Legitimidade; os Pedidos; a Tramitação; os Prazos; os Mecanismos destinados a
assegurar a utilidade da sentença; e , os Mecanismos de reparação caso a
sentença tenha perdido efeito útil.
Quanto ao Âmbito, verificamos
que o contencioso pré-contratual passou a debruçar-se sobre as “acções de impugnação
ou de condenação à prática de actos administrativos relativos à formação de
contratos de empreitada de obras públicas, de concessão de serviços públicos,
de aquisição ou locação de bens imóveis e de aquisição de serviços”
(art.100º/nº1). Verifica-se aqui um “aperfeiçoamento formal” quanto à
terminologia dos contratos em questão (anteriormente a terminologia utilizada
era: “contratos de prestação de serviços” e “contratos de fornecimento de
bens”). Passa-se, deste modo, a abranger quase todos os contratos sujeitos à
matéria procedimental que consta da Parte II do Código dos Contratos Públicos.
Relativamente, à Legitimidade,
dispõe o art.101º que “os processos de contencioso pré-contratual devem ser
intentados (...), por qualquer pessoa ou entidade com legitimidade nos termos
gerais” pelo que temos que aludir ao previsto no art.55º/nº1 do CPTA (quando se
tratar de um pedido de impugnação do acto) e ao previsto no art.68º/nº1 do CPTA
(quando se tratar de um pedido de condenação à prática do acto devido). Até
aqui não se verifica nenhuma inovação quanto à legitimidade. A inovação surge
relativamente a legitimidade para impugnar normas procedimentais, sendo que o
art.103/nº2 do CPTA dispõe que “O pedido
de declaração de ilegalidade pode ser deduzido por quem participe ou tenha
interesse em participar no procedimento em causa, podendo ser cumulado com o
pedido de impugnação de ato administrativo de aplicação das determinações
contidas nos referidos documentos”. Antes dessa alteração a doutrina, na
falta deste preceito a regular a legitimidade para impugnar normas em sede de
contencioso pré-contratual, entendia que a legitimidade para impugnar actos
administrativos era igual para impugnar normas; não havendo, assim, distinção,
em termos de legitimidade, quanto ao objecto. Esta solução em introduzir, deste
modo, uma “veia dualista” no contencioso pré-contratual, o que tem sido criticado
por parte da doutrina; que defende que tal solução pode levar a “instrumentalizações
do regime do contencioso” e que “a opção mais correcta teria sido a de reforçar
os mecanismos sancionatórios contra eventuais abusos das partes, e não a de
tornar o requisito da legitimidade mais exigente”. [ii]
No que
diz respeito aos Pedidos, o
contencioso pré-contratual passou a ser um processo “de impugnação ou de condenação à prática de actos administrativos”,
como podemos verificar art.100º/nº1 do CPTA. Anteriormente o contencioso pré-contratual
assentava num “processo de cariz
essencialmente impugnatório”.
Verificamos que, o CPTA passou a consagrar
expressamente no seu art.103º/nº2 do CPTA que “o pedido de declaração de ilegalidade pode ser deduzido por quem
participe ou tenha interesse em participar no procedimento em causa, podendo
ser cumulado com o pedido de impugnação de ato administrativo de aplicação das
determinações contidas nos referidos documentos”, sendo aí patente a
possibilidade de cumulação de pedidos. Não se trata propriamente de uma
inovação visto a doutrina e a jurisprudência, atendendo ao Princípio
Constitucional e Legal da Tutela Jurisdicional Efectiva (art.20º/nº1 e
art.268º/nº4 da CRP; e art.2º do CPTA), já terem admitido a cumulação de
pedidos de condenação e de outro tipos de pedidos. [iii]
É de salientar ainda, o facto de o CPTA admitir, expressamente, no
nº 4 do art.103º a “possibilidade da
impugnação, nos termos gerais, dos regulamentos que tenham por objeto conformar
mais do que um procedimento de formação de contratos”. À alusão a aos
termos gerais da impugnação, parece neste caso fazer “uma remissão para o
regime geral de impugnação de normas administrativas previsto nos artigos 73º a
77º do CPTA” como defende o MARCO CALDEIRA. [iv]
No que
respeita a Tramitação, esta
encontra-se prevista no art.102º do CPTA, que no seu nº1 remete a tramitação
dos processo de contencioso pré-contratual para a “tramitação estabelecida no capítulo III do título II” (salvo nos
caso apresentados nos números seguintes do preceito). A inovação aqui se que
salienta é a substituição do regime dualista pelo regime monista pois o
anterior regime remetia o processo contencioso contratual para o regime da
acção administrativa especial, e, o presente regime faz a remissão para o
regime monista da acção administrativa.
Outra
mudança que se verificou no âmbito da tramitação do contencioso pré-contratual
é a “desautonomização preceitual” da realização da audiência pública, que
outrora esteve consagrada no art.103º (do antigo CPTA) e agora encontra-se
prevista no art.102º/nº5 (do novo CPTA).
De
resto, a tramitação do contencioso pré-contratual não sofreu mais nenhuma
inovação da qual se possa dar especial relevo.
No que
concerne aos Prazos, o CPTA continua
a estipular que os processos de contencioso pré-contratual devem ser intentados
no prazo de 1 mês (art.101º do CPTA) Contudo já não faz menção ao termo inicial
da contagem do prazo mas faz remissão expressa aos arts.58º/nº3, 59º e 60º do CPTA. MARCO
CALDEIRA defende que “ao manter a fixação
do prazo de um mês, (…), sem se especificar se tal prazo se aplica também (ou
não) aos actos nulos, o Projecto mantém assim a incerteza, ficando o intérprete
sem saber se os autores entenderam que as dúvidas não se colocavam (e que,
portanto, não careciam de esclarecimento) ou se, pelo contrário, nem sequer se
aperceberam desta questão e se, portanto, a omissão do Projecto não de pode
extrair qualquer conclusão segura quanto à opção legislativa. Acrescenta
por isso que “ não se configurando
plausível que os autores do Projecto ignorem este problema, parece que o seu
silêncio deverá ser interpretado no sentido de sujeitar a impugnação dos actos
nulos ao prazo de um mês, o que mostra bastante criticável, não só pelas
consequências de tal solução, mas também porque a mesma sempre deveria ser expressamente afirmada pelo legislador”.
[v]
Ainda
relativamente, aos Prazos, o art.103º/nº3 do CPTA estipula que “o pedido de declaração de ilegalidade pode
ser deduzido durante a pendência do procedimento a que os documentos em causa
se referem”, o que traduz-se na situação de, em sede judicial, a
ilegalidade de qualquer norma do procedimento contencioso pré-contratual poder
ser posta em causa enquanto o mesmo procedimento contencioso pré-contratual não
tiver terminado.
Debruçando
agora sobre os Mecanismos destinados a assegurar
a utilidade da sentença, é importante salientar que foi nesta matéria que
se verificou maiores inovações no seio do contencioso pré-contratual, devido a
transposição da Directiva nº2007/66/CE.
Surgiu,
deste modo, o art.103º-A do CPTA, que estipula a suspensão automática dos
efeitos dos actos de adjudicação (impugnados no âmbito do contencioso
pré-contratual urgente) ou a execução do contrato (caso este já estiver sido
celebrado). Esta consagração legal destina-se, expressamente, à impugnação da
decisão de impugnação. Havendo, no entanto, a faculdade de, paralelamente,
adoptar medidas provisórias sobre o qual dispõe o art.103º-B do CPTA (outra
inovação no âmbito do contencioso pré-contratual). Deste modo, o autor da acção
principal (obstante do que resultar no plano das medidas provisórias) conta com
vários mecanismos para “paralisar o procedimento pré-contratual e suspender a
eficácia do acto impugnado”, mecanismos esses que constituem “autênticos
incidentes processuais” como podemos verificar no nº2 do art.103º-B do CPTA.
Existe
neste plano exercício do contraditório por parte da entidade adjudicante e dos
contra-interessados (art.103º-A/nº2 e nº3 e art.103º-B/nº2 do CPTA). Sendo que
recai sobre o Tribunal o dever de analisar as alegações destes sujeitos e ponderar
os inconvenientes que cada uma das soluções possíveis pode trazer para os
interesses das partes envolvidas, tendo em conta os critérios de periculum in mora e ponderação de
interesses. O que acaba por trazer para o processo principal os problemas
próprios dos processos cautelares e fazendo depender a suspensão de um juízo de
ponderação de interesses, como defende MARCO CALDEIRA. [vi]
Para
finalizar, versando sobre os Mecanismos
de reparação caso a sentença tenha perdido efeito útil, estes assumem importância
quando “já não é possível reconstituir o ordenamento jurídico e a esfera
jurídica do autor como se o acto ilegal e lesivo nunca tivesse sido praticado. O art.102º/nº6
do CPTA, quanto a esta matéria, remete para o regime dos arts.45º e 45º-A do
CPTA, devendo-se respeitar/preencher os respetivos
pressupostos. Salienta-se deste modo o art.45º/nº1/alíneas a) e b); o
art.45º-A/nº1/alíneas a) e b), nº2 e nº3; e, o art.102º/nº7, que apontam todos
para a convolação do processo (anteriormente, designada como “modificação
objectiva da instância).
Edbela Monteiro
Aluna nº18531
BIBLIOGRAFIA
Silva,
Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª
edição actualizada, Almedina, 2009
Gomes,
Carla Amado; Neves, Ana Fernanda; Serrão, Tiago (COORD.), O Anteprojecto de
Revisão do Código do Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatuto dos
Tribunais Administrativos e Fiscais em Debate. AAFDL, 2014
Almeida,
Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Reimpressão, Almeida, 2012
[i]
Vasco Pereira da Silva in O
Contencioso Administrativo da Psicanálise, 2ª Edição actualizada, Almedina,
2009, pág.488
[ii]
Marco Caldeira in O Anteprojecto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais em
Debate, AAFDL, 2014, pág.165
[iii]
Neste sentido Pedro Gonçalves, Maria João Estorninho e Marco Caldeira
[iv]
Marco Caldeira in O Anteprojecto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais em
Debate, AAFDL, 2014, pág.163
[v]
Marco Caldeira in O Anteprojecto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais em
Debate, AAFDL, 2014, págs.157 e 158
[vi]
Marco Caldeira in O Anteprojecto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais em
Debate, AAFDL, 2014, pág.175
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