terça-feira, 10 de novembro de 2015

O processo urgente de massas: comparação entre o regime do Anteprojecto do CPTA e o novo Código



O processo urgente de massas: comparação entre o regime do Anteprojecto do CPTA e o novo Código
 
 
 
          A reforma do CPTA e ETAF vem aprofundar e aperfeiçoar alguns pontos importantes dos dois diplomas, não se tratando, porém, de uma mudança radical. Uma das alterações mais significativas reside na passagem de duas formas de processo principal não urgente para uma só - a acção administrativa comum. Outras alterações em matéria de contencioso também se verificam, bem como em matéria cautelar e matéria de representação da Administração. No tocante aos processos em massa também se verifica algumas introduções. O CPTA anterior à actual reforma consagrava já um mecanismo de processo de massas, previsto nos artigos 48.º e seguintes do Código, tendo vindo agora, com a nova reforma, a dar um passo em frente com a introdução do processo urgente de massas, previsto nos artigos 36.º/1/b) e 97.º e 99.º CPTA. No entanto, e é isso que se pretende dar a conhecer ao longo desta exposição, a comparação entre o que estava previsto no Anteprojecto do CPTA (ACPTA) e o actual Código levam a questionar se uma figura aparentemente promissora pode agora perder grande parte da sua utilidade face ao seu novo regime.
 
          Começando pela classificação da figura, trata-se efectivamente de um novo tipo de processo urgente, que se desencadeia do seguinte modo: tratando-se de uma situação referente a um concurso de pessoal, de recrutamento para a Administração Pública ou de realização de provas, deve o interessado apresentar um pedido contencioso. De acordo com o ACPTA o número de participantes neste tipo de situações devia ser superior a vinte. O novo CTPA prevê um número de cinquenta participantes. Uma vez intentada essa primeira acção, todos os outros interessados são avisados dessa propositura através da publicação de um anúncio e, caso pretendam apresentar pretensões relativas ao procedimento a correr devem coligar-se com o autor, participando no processo. Quer isto significar que os interessados ficam obrigados a coligar-se com o autor da primeira acção, caso queiram fazer valer as suas pretensões, não podendo intentar uma acção autónoma para o efeito (vide artigos 99.º/1, 97.º/5, 97.º/4 e 99.º/4 ACPTA). O processo urgente de massas caracteriza-se assim pela sua celeridade, em que se prevê prazos e mecanismos de actuação mais curtos que dão um tratamento preferencial.
          O processo urgente de massas foi introduzido no novo CPTA pelas seguintes razões:
 
  1. Adaptação do contencioso administrativo ao fenómeno de litigância de massas: o Direito Administrativo lida com vários processos que se reportam a idênticas questões materiais e jurídicas
     
  2. Criação de condições para proporcionar decisões judiciais mais céleres: a imposição da coligação processual relativamente a partes que apresentam pretensões no âmbito da mesma questão material pretende garantir que não existam diferentes processos sobre o mesmo assunto, evitando decisões divergentes e múltiplos recursos, o que agrava o tempo necessário à resolução do litígio. Com efeito, há uma única resposta judicial proferida num processo urgente e tendencialmente mais rápida.
     
  3. Garantia de um grau mais elevado de tratamento igual para situações iguais e de promoção da uniformidade jurisprudencial: há uma decisão única para um conjunto de casos potencialmente semelhantes, evitando que cada interessado proponha um processo autónomo que poderia originar diferentes sentenças e consequentemente uma divergência de tratamento relativamente a problemas semelhantes.
     
              Ficou já supra referido que o anterior CPTA já consagrava o mecanismo dos processos de massa. Este encontrava-se previsto no artigo 48.º CPTA e apresenta diferenças em relação ao processo urgente de massas. Desde logo cumpre explicitar que este processo de massas não constitui um meio processual específico, contrariamente ao processo urgente de massas. Trata-se de um meio que se reporta a processos já existentes. Efectivamente o mecanismo dos processos em massa do artigo 48.º CPTA visa permitir que face a um grande número de processos com traços semelhantes se seleccionem apenas alguns, ficando os demais suspensos e, quanto aos processos seleccionados, estes passam a ser tratados como urgentes, sendo proferida sentença em relação a estes. Uma vez tomada a decisão, os autores dos processos suspensos podem escolher uma das alternativas previstas no artigo 48.º/5 CPTA. É igualmente um mecanismo com evidentes propósitos de celeridade judicial e uniformização jurisprudencial, que contribui para diminuir a proliferação de diferentes litígios, permitindo condições para que estes processos possam ser apreciados rapidamente. Mas este mecanismo destina-se a ser aplicado a processos já existentes. Pelo contrário, o processo urgente de massas é um meio processual autónomo. Relativamente à citação dos contrainteressados também se há diferenças substanciais. No processo urgente de massas, de acordo com o Anteprojecto, a citação é realizada por publicação de um anúncio, no mesmo meio e local utilizado pelo acto impugnado no processo, ou, quando o acto não tenha sido publicado, através não tenha sido publicado, através de publicação em meio de comunicação social. Também no processo de massas a citação faz-se através de publicação de um anúncio, mas o que distingue estes dois mecanismos é a sua consequência. No processo urgente de massas, feita a citação, têm os contrainteressados um prazo de vinte dias para contestar, como dispõe o artigo 99.º/5/a) CPTA (o ACPTA previa dez dias para intervir no processo, de acordo com o artigo 97.º/4). Terminado esse prazo, e caso não haja contestação, os contrainteressados já não podem apresentar uma acção judicial autónoma sobre a mesma questão. Isso não acontece no mecanismo dos processos em massa, pois nada impede os demais interessados a vir posteriormente intentar uma acção autónoma para fazer valer as suas pretensões. Era esta a redacção do Anteprojecto, no artigo 97.º, que foi agora revogada. Nos termos do artigo 97.º/1 CPTA, o processo urgente de massas rege-se, em tudo o que com ele não contenda, pelo disposto nos Capítulos II e III do Título II do mesmo diploma. Quer isto significar, no que diz respeito agora à citação dos contrainteressados, que se deve observar o disposto no artigo 81.º/5 e 6 CPTA, isto é, a citação faz-se igualmente através de publicação de um anúncio nos mesmos termos em que foi feita a publicação de que o processo estava a ser desencadeado, ficando os demais com um prazo de quinze dias para se constituírem contrainteressados.
     
              Relativamente ao regime do processo urgente de massas, o seu campo de aplicação exige o preenchimento dos seguintes pressupostos:
     
  1. Estar em causa um concurso de pessoal, uma acção de recrutamento ou a realização de uma prova na Administração Pública (artigo 99.º/1 ACPTA e CPTA)
     
    b) O ACPTA referia no artigo 97.º/2, agora revogado, que o pedido devia reportar-se à impugnação de um acto ou à condenação da Administração Pública à prática de actos devidos
     
              Efectivamente a situação tem de se enquadrar num dos três tipos de procedimentos administrativos que podem originar uma reacção por meio de via processual urgente (artigo 99.º/1 ACPTA e CPTA).
              Com a entrada em vigor do novo CPTA, verifica-se que são necessários cinquenta intervenientes para desencadear um processo urgente de massas, quando o Anteprojecto previa apenas vinte. Este pode começar por ser um dos factores a bloquear a eficácia desta nova figura, comprometendo a sua celeridade. Os processos urgentes destinam-se a actuar sobre o fenómeno da litigância de massa que se coloca especialmente em matéria de funcionalismo público e em questões laborais. Aumentar o número de intervenientes de vinte para cinquenta torna demasiado oneroso para os interessados a propositada de acções desta natureza. Esta alteração tornar-se ainda mais chocante quando, face ao Anteprojecto, o número de processos no processo de massas diminuiu de vinte para dez. Face a esta redução sistemática, o processo urgente deveria ter seguido o mesmo caminho.
     
              Quanto aos efeitos do processo urgente de massas, como ficou acima tratado, a citação dos contrainteressados faz-se mediante a publicação de um anúncio, e estes têm um prazo de vinte dias para apresentar a sua contestação, findo o qual perdem a possibilidade de intentar uma acção autónoma sobre o mesmo objecto. Esta solução tem o claro propósito de evitar a divergência de decisões sobre casos semelhantes. Há quem possa defender a inconstitucionalidade desta norma, por violação do livre acesso à justiça. Para o Dr. João Tiago Silveira, não se verifica tal inconstitucionalidade. O processo urgente de massas não elimina o direito à tutela jurisdicional, apenas determina que a ponderação das pretensões dos interessados seja feita em todo o conjunto, agregando intervenientes com interesses semelhantes ou concorrentes. Depois, a publicação por anúncio tanto da propositada da acção como do prazo para contestar dá conta de todos os meios pelos quais os interessados devem utilizar, ou seja, estes já sabem de antemão qual é o meio utilizado para terem conhecimento das vicissitudes essenciais das quais depende o seu direito. Por último, os interessados já têm conhecimento, porque já intervieram, num procedimento administrativo que se desenvolveu e que está a ser agora objecto de publicidade pelos mesmos meios que dão a conhecer da propositura de um processo urgente sobre a mesma situação.
     
              Passando agora para a tramitação processual do processo de massa urgente, a propositura desta acção deve ser efectuada no prazo de um mês junto do tribunal na sede da entidade demandada, conforme prevê o artigo 99.º/2 CPTA. O ACPTA no artigo 99.º /2 previa que todas as acções referentes a processos urgentes de massa devessem ser propostas no Tribunal de Circulo de Lisboa, com o objectivo de promover a especialização. Tal só não acontecia quando se tratasse de um litígio respeitante às Regiões Autónomas ou a Autarquias Locais. Todavia esta nova alteração tem como ponto positivo não congestionar excessivamente este tribunal. O juiz manda publicar um anúncio de forma a que o processo seja conhecido pelos demais interessados, devendo estes constituírem-se como contrainteressados no prazo de quinze dias, como dispõe o artigo 81.º/ 5 e 6 CPTA. O modelo dos articulados deve seguir o disposto numa portaria a emitir pelo Ministério da Justiça (artigo 99.º / 3 CPTA), constituindo-se assim uma simplificação processual, que pode auxiliar o juiz a identificar com rigor quais as matérias a que é chamado a pronunciar-se.
    O réu dispõe de um prazo de vinte dias para contestar e trinta dias para a emissão da decisão pelo juiz (artigo 99.º/ 5 CPTA). O processo urgente corre em férias judiciais e os actos da secretaria são praticados com precedência sobre os restantes. Estes processos prevalecem igualmente sobre os não urgentes.
     
              Em conclusão, há utilidades a retirar do novo processo urgente de massas, mas há claramente que admitir que houve alguns retrocessos por parte do novo CPTA que podem posteriormente colocar em causa a eficácia deste processo, mormente a exigência de pelo menos cinquenta processos, como está previsto no artigo 99.º.
     
     
     
    Filipa Otero, n.º 21449
     
     
    Bibliografia
     
    João Tiago Silveira, "O processo de massa urgente na revisão do CPTA", in O Anteprojecto de Revisão do CPTA e do ETAF em debate, AAFDL, Lisboa, p. 103-125.
     
    João Tiago Silveira, "O mecanismo dos processos em massa no contencioso administrativo", in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Jorge Miranda, Volume IV, Edição da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, p. 431- 462   

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