sábado, 21 de novembro de 2015

Ação Administrativa - O Modelo Monista do novo CPTA

No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 100/2015, de 19 de agosto, o Decreto-Lei n.º 214-G/2015 veio alterar o Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o Código dos Contratos Públicos, o Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, a Lei de Participação Procedimental e de Ação Popular, o Regime Jurídico da Tutela Administrativa, a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos e a Lei de Acesso à Informação sobre Ambiente. Em concreto, importa-nos focar nas alterações desencadeadas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos (em diante CPTA).

Estabelecia-se no anterior CPTA que qualquer ação instaurada nos Tribunais Administrativos teria de adotar uma das formas legalmente previstas. De acordo com o antigo artigo 37º e seguintes tínhamos o elenco da ação administrativa comum, que se caraterizava por ser residual em relação à ação administrativa especial prevista nos artigos 46º e seguintes do anterior CPTA e que estabeleciam os meios processuais a que recorriam maioritariamente os sujeitos que quisessem dirigir-se aos Tribunais Administrativos. Com isto, pode entender-se que o código anterior “optou, em 2002, por um modelo dualista” que assentava a sua distinção, segundo o entendimento maioritário da doutrina, “no facto de se estar, ou não, perante a prática ou omissão de manifestações de poderes de autoridade por parte da Administração”[1]. A jurisprudência partilhava desta opinião, o que ficou expresso em acórdãos do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 12 de julho de 2012, Proc. nº 8510/12, e de 6 de fevereiro de 2014, Proc. nº 10575/13.

Para J.M. Sérvulo Correia a existência de um modelo dualista seria a opção mais acertada uma vez que permitia fazer a distinção entre ações em que estivessem em causa pretensões contra atos administrativos praticados ou omitidos, e uma ação administrativa de plena jurisdição aplicável aos casos que não preenchiam as situações previstas para a ação administrativa especial.

Porém, grande parte da doutrina insurgiu-se contra este modelo dualista. O Professor Vasco Pereira da Silva critica-o uma vez que a separação dos dois tipos de ação administrativa se devia “pré-conceitos” de natureza substantiva, não tendo por base “verdadeiras razões de natureza processual”[2]. Além disto, o facto de por a ação especial ser aquela a que mais se recorria, o Professor considerou que estávamos já num ponto em que existia uma espécie de inversão terminológica, sendo a ação especial a “mais comum”.

Com isto, o preâmbulo do DL de revisão justifica a necessidade de alterações pela “relativa incoerência” do regime dualista (demonstrada pela excessiva influência do Código de Processo Civil nos aspetos fundamentais do anterior CPTA) e dos problemas resultantes da delimitação entre ação administrativa especial e ação administrativa comum visto que em muitos casos, especialmente os de cumulação entre ações de um tipo e do outro, existiam casos de evidente confusão entre estes o que se traduzia numa “reduzida praticabilidade” do modelo dualista. Concluiu-se que um modelo semelhante ao do CPC tendo em conta as especifidades próprias do processo administrativo seria suficiente para dar resposta a todos os processos declarativos, “reconduzindo-se todos os processos não urgentes do contencioso administrativo a uma única forma de processo, à qual é dada a designação de «ação administrativa»”.

O novo regime materializa-se na separação da ação administrativa (Título II) dos processos urgentes (Título III) e pelas normas processuais gerais previstas, para o CPC, aplicáveis subsidiariamente ao contencioso administrativo. O Título II que identifica a ação administrativa começa desde logo a designar o tipo de objetos processuais (artigo 37º do novo CPTA) que podem constituir causa para instaurar uma ação no contencioso administrativo. Por esse motivo, o elenco destas vem previsto nas alíneas do referido artigo.

É também importante a referência ao preâmbulo da revisão do CPTA que destaca que “esta nova forma de processo é submetida ao regime que, até aqui, correspondia à ação administrativa especial, mas com as profundas alterações que decorrem da sua harmonização com o novo regime do CPC” e também da revisão ao Código de Procedimento Administrativo (CPA). A conclusão terá de passar pela observação cuidada das alíneas do artigo 37º/1 que nos indicia a predominância do anterior regime previsto para a ação administrativa especial e as influências em termos processuais do novo CPC de 2013 ao longo de todo o CPTA novo.

Porém, algumas críticas também são apontadas a esta nova solução. “Não só na delimitação do âmbito e natureza deste tipo de ação única, mas também e em particular, no Capítulo III, do Título II (Marcha do processo    artigos 78º e seguintes), dado que a ação administrativa abrange os litígios definidos no artigo 37º, surgindo dúvidas se este capítulo III (ou pelo menos alguns dos artigos nele contidos) se aplica a todos esses litígios e, em caso afirmativo, se tal é a melhor solução. Com efeito, os normativos em causa correspondem, em grande medida, a um decalque das normas que atualmente regulam a ação administrativa especial, as quais não serão as adequadas a regular os litígios (ou pelo menos grande parte deles) que atualmente se subsumem na ação administrativa comum.”[3]

Não se espera que se chegue a um cenário idílico, elogiado por todos, até porque a crítica é passo essencial para a evolução e adaptação a novas realidades. No entanto, parece-me que a razão está com o Professor Vasco Pereira da Silva e restante doutrina que apoia a alteração do CPTA e a adoção de um modelo monista em rotura com o modelo anterior. A criação de uma “ação administrativa” que unifica todos os meios processuais não urgentes num único tipo de ação facilita a esquematização mental de separação entre os vários possíveis objetos do contencioso administrativo assim como - e esta parece-me ser a conquista principal - reduzir o risco de proposituras inadequadas face às reais pretensões que se pretendem atingir. O anterior modelo suscitava, em algumas situações, dúvidas sobre o regime aplicável, principalmente em situações de cumulação de pedidos de ação administrativa comum com pedidos de ação administrativa especial, levando invariavelmente a casos em que a primeira era como que “consumida” pela segunda originando, inevitavelmente, confusões sobre as restantes disposições aplicáveis.

Como tal, considero que a revisão do CPTA e a adoção do modelo monista surgem mais como solução do que como problema para o contencioso administrativo e demonstram, na minha opinião, um verdadeiro avanço no sistema processual administrativo português.




[1] Ana Sofia Firmino em “O Anteprojeto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais em Debate”, Almedina
[2] Vasco Pereira da Silva em “ O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, 2ª edição, Almedina
[3] Parecer do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais – Projeto de revisão do Código do Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais 


Tiago Fernandes
22070

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