terça-feira, 10 de novembro de 2015

Dores de Crescimento da Impugnação




Dores de Crescimento da Impugnação



Legitimidade Activa

Serve o presente comentário para dar a conhecer e explicar o porquê de algumas alterações no âmbito da impugnação administrativa no Anteprojecto do novo Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos face ao anterior regime.
Desta forma, vou falar da revisão dos requisitos gerais do regime da impugnabilidade dos actos administrativos, designadamente, os actos confirmativos, ineficazes, a legitimidade e os prazos de impugnação.
No que diz respeito à legitimidade, temos de referir o artigo 9.º do CPTA antes de passarmos ao regime especial de legitimidade em sede de impugnação.
Com o Anteprojecto do CPTA, coloca-se a questão de saber se o interesse processual é aferido em função da invocação de factos pelo autor ou através das posições de ambas as partes. Como diz Mário de Aroso de Almeida[i] “A opção, entretanto, de estabelecer na Parte Geral, um regime geral em matéria de legitimidade é inovadora e parte do entendimento de que a questão da legitimidade processual deve ser encarada como um fenómeno de âmbito geral, respeitante à situação das partes no processo, sem que nada justifique que, a respeito da natureza do instituto, uma perspectiva sensivelmente diferente daquela que resulta da teoria geral do processo e que é, desde logo, adoptada em processo civil”.
Contrariamente, o Sr. Professor Vasco Pereira da Silva[ii] acha que o interesse não é um pressuposto da legitimidade. Para este, existem duas hipóteses, ou é um pressuposto processual autónomo ou trata-se, antes, de uma questão de interesse em agir.
Na lei processual civil, a legitimidade estabelece-se em função do interesse em demandar e em contradizer. Recorre, por isto, a dois conceitos: o de relação controvertida e o de legitimação. Para o caso, devemos referir-nos ao conceito de “legitimação” definido por lei para as situações em que o interessado não é parte na relação controvertida, mas tem o direito de fazer “valer o seu interesse”. Assim o refere os n.º 1 e 2 do artigo 9.º do CPTA e a alínea f) do n.º 1 do artigo 55.º, no que diz respeito à legitimidade em sede de impugnação.
Ao nível da legitimidade de impugnação, vamos encontrar alterações no artigo 55.º do CPTA:
A alínea b) permanece igual, “Ministério Público”, mas verifica-se um alargamento das suas competências em virtude da alteração do n.º 2 do artigo 9.º, que o Anteprojecto alarga “ a um campo de enorme importância para a tutela” de interesses difusos;
Na alínea c) encontramos uma alteração de texto. Deixamos de ter a expressão “Pessoas colectivas públicas” e passamos a ter “entidades” públicas e privadas. Ou seja, é atribuída legitimidade na defesa de interesses e direitos, independentemente de se tratar de uma pessoa singular ou colectiva;
Na alínea d), diminui a legitimidade dos órgãos da administração, no que diz respeito a actos praticados por outros órgãos da mesma pessoa colectiva, dependendo da demonstração de actos que possam comprometer “as condições do exercício de competências legalmente conferidas aos primeiros para a prossecução de interesses pelos quais esses órgãos sejam directamente responsáveis”[iii].
Por sua vez, o n.º 2 do artigo 55.º alarga a legitimidade dos eleitores na impugnação de decisões e deliberações de entidades instituídas por autarquias locais ou dependentes destas, o que em certa medida resultará num aumento de processos para os tribunais administrativos.

Prazos de Impugnação

            Vistas as alterações no regime da legitimidade de impugnação, segue-se o artigo 58.º em matéria de prazos. Assim, como está expresso na exposição de motivos, “retomou-se, quanto a prazos de impugnação de actos anuláveis, o regime anterior ao do CPTA por assegurar maior segurança numa matéria que não pode oferecer dúvidas”[iv], ou seja, vai recuperar a solução do antigo artigo 28.º n.º 2 da LPTA.
Na reforma de 2004 foi introduzida uma importante alteração em matéria de contagem de prazos de impugnação de actos anuláveis. Esta alteração adoptou a contagem constante do artigo 138º do Código de Processo Civil, isto é, incorporou a regra da continuidade dos prazos e da sua suspensão em férias judiciais, que se traduz em:
·      O prazo de três meses (alínea b)) implica que nas situações de suspensão terá de se considerar como 90 dias;
·      O prazo de um ano ( alínea a)), uma vez que tem que se ter em conta a parte final do n.º 1 do artigo 138.º do CPC, não se suspende durante o período de férias judiciais.
Esta alteração traduz-se na ideia de que estes prazos deverão ser contados como prazos substantivos, contra algumas razões de segurança jurídica.


Impugnação de Actos Inexistentes

De acordo com o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos”. Porém, se se adoptar uma perspectiva da natureza de direitos fundamentais como a do Prof. Vieira de Andrade, o núcleo essencial desta garantia é constituída pelo direito à protecção pela via judicial[v]. Assim, é defensável que essa garantia só se torna efectiva quando a lei ordinária especificar como e em que medida se procede a esta protecção. Mais, terá ainda que consagrar pressupostos processuais que possibilitem o efectivo exercício do direito em questão, no caso, a legitimidade.
No âmbito do contencioso administrativo, a densificação deste direito está no artigo 2.º, n.º 2 do CPTA, que na redacção do Anteprojecto menciona a necessidade de uma efectiva protecção, designadamente na obtenção de uma anulação ou declaração de nulidade ou de inexistência de actos administrativos.
O artigo 50.º, n.º 1 refere-se à declaração de inexistência de um acto administrativo e poder-se-ia parecer à primeira vista estar em confronto com as normas anteriormente mencionadas. De acordo com Vieira de Andrade, “a função da impugnação de actos administrativos é, nos termos mais amplos, a do controlo da sua invalidade”[vi]. Na opinião do Prof., este meio processual funciona de igual forma na declaração de inexistência de um acto. Porém, consideramos que este meio não se enquadra com a figura de inexistência, uma vez que já não estamos no campo da validade. Um acto que não existe não pode ser válido ou inválido. Efectivamente é este entendimento que o Anteprojecto acolhe, ao deixar de tratar da mesma forma os actos inexistentes e os actos nulos para efeitos de prazo de impugnação (artigo 58.º, n.º 1).
Contrariamente ao que se passa no CPTA, o Anteprojecto tem uma visão unitária ou monista do processo, tratando-se, assim, na figura da acção administrativa tout court.        Desta forma, perde agora relevância, ao determinar-se a forma do processo em apreço, a distinção entre as pretensões processuais constitutivas, relativas às sentenças de anulação, e as declarativas (de nulidade ou de inexistência). A obtenção de uma sentença declarativa de inexistência de acto declarativo de acto administrativo é agora possível na acção administrativa, já que a enumeração do artigo 37.º, n.º 2 do Anteprojecto é meramente exemplificativa e também porque se acrescentou na alínea i) deste número 2 a “condenação da Administração à adoção das condutas necessárias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados, incluindo em situações de via de facto, desprovidas de título que as legitime”, pressupondo, desta forma, uma declaração sobre a inexistência jurídica desse acto administrativo.
            Porém apenas os actos juridicamente inexistentes podem ser objecto de uma pretensão processual declarativa, uma vez que, apesar de este acto necessitar de vinculatividade, de execução coerciva, de insanibilidade e de irrevogabilidade as consequências de factos que têm origem na conduta administrativa têm que ser tutelados jurisdicionalmente, contrariamente essa tutela já não será necessária quando não há nada de material, ou seja, quando nem sequer estamos perante uma mera aparência de acto administrativo. A recusa de uma intervenção jurisdicional nos casos de actos materialmente inexistentes justifica-se, assim, “sob pena de o tribunal emitir uma pronuncia absolutamente inútil”[vii].
            O facto de ser impossível a impugnação de um acto administrativo inexistente (quando a impugnação tem por objecto a absoluta inexistência do acto) resulta, em primeiro lugar, de não ser permitida pelo artigo 2.º n.º 2 do CPTA, ou seja, o regime não tutela situações hipotéticas ou virtuais, uma vez que em relação a estas não existe sequer interesse em agir. Desta forma, a impugnação não pode ter outro objecto que não seja a anulação ou a declaração de nulidade de “decisões que, no exercício de poderes juridico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”(artigo 148.º do NCPA), já que a nova formulação do artigo 50.º n.º 1 do Anteprojecto não impede, porém, a impugnação dos actos que certifiquem factos inverídicos ou inexistentes, que constam do artigo 161.º, n.º 2, j) do NCPA.
            Conclui-se, assim, que o legislador do Anteprojecto tentou aproximar este diploma à nova realidade substantiva deixando de prever a impugnação de actos inexistentes.

Impugnação de Actos Confirmativos

O direito à impugnação de actos confirmativos surgiu pela primeira vez no nosso ordenamento jurídico no artigo 55.º da LPTA, concordando com uma corrente jurisprudencial minoritária que ia no sentido de só se admitir a irrecorribilidade do acto confirmativo quando o acto confirmado tivesse sido levado ao conhecimento do interessado de forma a que este tivesse a possibilidade de o impugnar. Esta impugnabilidade era admitida em termos muito restritos pela jurisprudência maioritária de então que entendia “ser de rejeitar os recursos contenciosos interpostos de actos meramente confirmativos, ainda que os actos confirmados não tivesse sido objecto de notificação aos recorrentes”[viii].
Uma vez aprovado o Código de Procedimento Administrativo, este regime passou a estar em discordância com o regime da notificação do acto administrativo (artigo 66.º e ss., do CPA) além de se poder suscitar dúvidas acerca da inconstitucionalidade face ao artigo 268.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa[ix]. Foi, assim, no CPTA ( e no Anteprojecto) através do artigo 53.º, que ao subordinar a impugnação com fundamento no carácter confirmativo do acto impugnado, somente quando o acto em causa já tivesse sido impugnado ou notificado ao autor (ou tivesse sido publicado), é que estes regimes se tornaram coerentes.
O objectivo desta compatibilização vai no sentido do conceito de acto confirmativo, impedindo o atraso dos procedimentos administrativos através da dedução de requerimentos sucessivos e de acordo com o artigo 9.º n.º 2 do CPA e 13.º n.º 2 do NCPA, excluindo-se, assim, o dever de decisão nos casos em que o tribunal tenha praticado há menos de dois anos um acto administrativo sobre o mesmo pedido formulado e com os mesmos fundamentos.
Se, por um lado, o artigo 53.º limita a invocação do carácter confirmativo do acto impugnado para efeitos da rejeição da impugnação”[x], por outro lado, consegue impedir a impugnação de actos cuja prática poderia ter sido recusada por não existir esse dever de decisão. Inversamente já o oposto não acontece, ou seja, quando existe um dever legal de decisão a prática de um novo acto confirmativo não impede a impugnação deste mesmo acto, ainda que se verifiquem todos os requisitos de inimpugnabilidade.
O Professor Mário Aroso de Almeida considera que o artigo 53.º do CPTA deve ser articulado conjuntamente com os n.º 2 e 3 do artigo 52.º, isto é, que estes constituem excepções a regra geral que o primeiro enuncia. Porem, na maioria dos casos, não é de excluir essa hipótese em actos de execução, tanto do acto contido em diploma legislativo ou regulamentar (n.º 2), como de actos gerais (nº3) e, desta forma, encarar os citados preceitos como duas excepções à excepção relativa ao dever de decisão.
É desta forma que se entende que o artigo 52.º não tenha sido objecto de alteração enquanto que o artigo 53º mereceu uma redacção completamente diferente. Este enuncia, em primeiro lugar, o conceito legal de actos confirmativos que define como aqueles que se limitam a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em actos anteriores. Porém, isto só não basta, também está implícito na definição que é necessário que o acto posterior seja relativo à mesma pretensão e, ao mesmo tempo, que seja praticado no mesmo procedimento ou, pelo menos, numa nova pretensão idêntica à anterior que deu origem a um novo procedimento. Em segundo lugar, consagra-se a regra geral da inimpugnabilidade de todos os actos confirmativos, sujeito à verificação de três pressupostos :
1.     Que haja uniformidade do quadro legal e factual subjacente ao acto confirmado e ao acto confirmativo;
2.     Que o acto confirmado não tenha sido levado ao conhecimento do interessado;
3.     Que exista total correspondência relativamente aos interessados, aos fundamentos de facto e de direito e aos efeitos jurídicos entre o acto confirmado e o acto confirmativo.[xi]
Já o artigo 53.º do CPTA declara que só são impugnáveis os actos confirmativos a que falte o 2º dos três pressupostos supra mencionados. No Anteprojecto, este regime é completamente alterado passando a identificar-se os actos que não podem ser objecto de impugnação, de acordo com a sua natureza confirmativa (n.º 1). As excepções do regime anterior valem, assim, actualmente, como regra.
Estas excepções são, desde logo, que o interessado, sendo destinatário do acto confirmado, não tenha tido possibilidade do impugnar por não ter sido notificado. Esta notificação pressupõe a observação do regime das notificações do novo CPA (artigos 111.º e ss.). Desta forma, se o acto confirmado foi adequadamente notificado ao interessado e este, podendo fazê-lo, não o impugnou no prazo ( artigo 58º) é-lhe vedada a oportunidade para impugnar o posterior acto confirmativo.
Já a publicação do acto confirmado, ainda que obrigatória, é irrelevante, excepto quanto aos interessados a quem o acto não é directamente dirigido. No caso de a publicação ser obrigatória, se o acto confirmado, anulável, não for impugnado nos prazos que decorrem dos artigos 58.º nº 2 e 4, o interessado não tem oportunidade de impugnar o acto confirmativo (53.º nº1 e n.º 2 e 59.º n.º 3 a) Anteprojecto). Contrariamente se esta notificação não for obrigatória e se o acto confirmado foi levado ao conhecimento do interessado e não foi impugnado atempadamente, nos termos gerais, fica também impossibilitada a impugnação do acto confirmativo, de acordo com os artigos 53.º n.º 1 e n.º 2 e 59.º n.º 3 b) do Anteprojecto.
Em último lugar, o n.º 3 do artigo 53.º do Anteprojecto refere que “os actos jurídicos de execução de actos administrativos só são impugnáveis por vícios próprios, na medida em que tenham um conteúdo decisório de carácter inovador”. Consagra-se uma solução já acolhida pela jurisprudência e pela doutrina e que vai de acordo com o objectivo que deu origem à conceitualização do acto confirmativo, ou seja, o de não permitir os atrasos do procedimento onde este está inserido e a consolidação efectiva do acto executado que não foi impugnado no devido prazo. Para além disto continua, ainda, a ser possível a reacção contenciosa que agora consta do artigo 182.º n.º 3 do NCPA, contra aquele tipo de actos, que, mesmo sem efeitos inovatórios estejam viciados de ilegalidades relativamente ao próprio regime de execução.



[i] Brito, Wladimir, Benjamin Barbosa, A Revisão dos requisitos gerais do regime da impugnabilidade dos actos administrativos (actos confirmativos, actos ineficazes e legitimidade) no Anteprojecto do CPTA, cit., p. 381.

[ii] Silva, Vasco Pereira da O contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Coimbra, Almedina, 2005, pp. 373 e 374.

[iii] Silva, Vasco Pereira da O contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Coimbra, Almedina, 2005, p. 316.

[iv] Coimbra, José Duarte A impugnabilidade de actos administrativos no Anteprojecto de Revisão do CPTA, p. 372.

[v] Andrade, José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 9ª Ed., Coimbra, Almedina, 2007, p. 160.

[vi] Andrade, José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 9ª Ed., Coimbra, Almedina, 2007, p. 203.

[vii] Acórdão TCA Sul de 08/05/2014, Rec. Nº05586/09.

[viii] Botelho, José Manuel dos Santos, Contencioso Administrativo, 3ª edição Coimbra, Almedina, 2000, p. 373.

[ix] Barbosa, Benjamim, A Revisão dos requisitos gerais do regime da impugnabilidade dos actos administrativos (actos confirmativos, actos ineficazes e legitimidade) no Anteprojecto do CPTA, p. 394.

[x] Andrade, José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 9ª Ed., Coimbra, Almedina, 2007, p. 209.

[xi] Oliveira, Mário Esteves de Direito Administrativo, volume I, Coimbra, Almedina, 1980 p. 411.





Guilherme Martins
Aluno n.º 22107
Subturma 1 do 4º Ano

Sem comentários:

Enviar um comentário