Dores de Crescimento da Impugnação
Legitimidade Activa
Serve o presente comentário
para dar a conhecer e explicar o porquê de algumas alterações no âmbito da
impugnação administrativa no Anteprojecto do novo Código de Procedimento dos
Tribunais Administrativos face ao anterior regime.
Desta forma, vou falar da
revisão dos requisitos gerais do regime da impugnabilidade dos actos
administrativos, designadamente, os actos confirmativos, ineficazes, a
legitimidade e os prazos de impugnação.
No que diz respeito à
legitimidade, temos de referir o artigo 9.º do CPTA antes de passarmos ao
regime especial de legitimidade em sede de impugnação.
Com o Anteprojecto do CPTA,
coloca-se a questão de saber se o interesse processual é aferido em função da
invocação de factos pelo autor ou através das posições de ambas as partes. Como
diz Mário de Aroso de Almeida[i] “A
opção, entretanto, de estabelecer na Parte Geral, um regime geral em matéria de
legitimidade é inovadora e parte do entendimento de que a questão da
legitimidade processual deve ser encarada como um fenómeno de âmbito geral,
respeitante à situação das partes no processo, sem que nada justifique que, a
respeito da natureza do instituto, uma perspectiva sensivelmente diferente daquela
que resulta da teoria geral do processo e que é, desde logo, adoptada em
processo civil”.
Contrariamente, o Sr.
Professor Vasco Pereira da Silva[ii] acha
que o interesse não é um pressuposto da legitimidade. Para este, existem duas
hipóteses, ou é um pressuposto processual autónomo ou trata-se, antes, de uma
questão de interesse em agir.
Na lei
processual civil, a legitimidade estabelece-se em função do interesse em demandar
e em contradizer. Recorre, por isto, a dois conceitos: o de relação
controvertida e o de legitimação. Para o caso, devemos referir-nos ao conceito
de “legitimação” definido por lei para as situações em que o interessado não é
parte na relação controvertida, mas tem o direito de fazer “valer o seu
interesse”. Assim o refere os n.º 1 e 2 do artigo 9.º do CPTA e a alínea f) do
n.º 1 do artigo 55.º, no que diz respeito à legitimidade em sede de impugnação.
Ao nível
da legitimidade de impugnação, vamos encontrar alterações no artigo 55.º do
CPTA:
A alínea
b) permanece igual, “Ministério Público”, mas verifica-se um alargamento das
suas competências em virtude da alteração do n.º 2 do artigo 9.º, que o
Anteprojecto alarga “ a um campo de enorme importância para a tutela” de
interesses difusos;
Na alínea
c) encontramos uma alteração de texto. Deixamos de ter a expressão “Pessoas
colectivas públicas” e passamos a ter “entidades” públicas
e privadas. Ou seja, é atribuída legitimidade na defesa de interesses e
direitos, independentemente de se tratar de uma pessoa singular ou colectiva;
Na alínea
d), diminui a legitimidade dos órgãos da administração, no que diz respeito a
actos praticados por outros órgãos da mesma pessoa colectiva, dependendo da
demonstração de actos que possam comprometer “as condições do exercício de
competências legalmente conferidas aos primeiros para a prossecução de
interesses pelos quais esses órgãos sejam directamente responsáveis”[iii].
Por sua
vez, o n.º 2 do artigo 55.º alarga a legitimidade dos eleitores na impugnação
de decisões e deliberações de entidades instituídas por autarquias locais ou
dependentes destas, o que em certa medida resultará num aumento de processos
para os tribunais administrativos.
Prazos de Impugnação
Vistas as alterações no regime da legitimidade de impugnação, segue-se o artigo
58.º em matéria de prazos. Assim, como está expresso na exposição de motivos, “retomou-se,
quanto a prazos de impugnação de actos anuláveis, o regime anterior ao do CPTA
por assegurar maior segurança numa matéria que não pode oferecer dúvidas”[iv],
ou seja, vai recuperar a solução do antigo artigo 28.º n.º 2 da LPTA.
Na reforma
de 2004 foi introduzida uma importante alteração em matéria de contagem de
prazos de impugnação de actos anuláveis. Esta alteração adoptou a contagem
constante do artigo 138º do Código de Processo Civil, isto é, incorporou a
regra da continuidade dos prazos e da sua suspensão em férias judiciais, que se
traduz em:
· O prazo de três meses (alínea b)) implica que nas
situações de suspensão terá de se considerar como 90 dias;
· O prazo de um ano ( alínea a)), uma vez que tem
que se ter em conta a parte final do n.º 1 do artigo 138.º do CPC, não se
suspende durante o período de férias judiciais.
Esta
alteração traduz-se na ideia de que estes prazos deverão ser contados como
prazos substantivos, contra algumas razões de segurança jurídica.
Impugnação de Actos
Inexistentes
De acordo
com o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, “a todos é
assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e
interesses legalmente protegidos”. Porém, se se adoptar uma perspectiva da
natureza de direitos fundamentais como a do Prof. Vieira de Andrade, o núcleo
essencial desta garantia é constituída pelo direito à protecção pela via
judicial[v].
Assim, é defensável que essa garantia só se torna efectiva quando a lei
ordinária especificar como e em que medida se procede a esta protecção. Mais,
terá ainda que consagrar pressupostos processuais que possibilitem o efectivo
exercício do direito em questão, no caso, a legitimidade.
No âmbito
do contencioso administrativo, a densificação deste direito está no artigo 2.º,
n.º 2 do CPTA, que na redacção do Anteprojecto menciona a necessidade de uma
efectiva protecção, designadamente na obtenção de uma anulação ou declaração de
nulidade ou de inexistência de actos administrativos.
O artigo
50.º, n.º 1 refere-se à declaração de inexistência de um acto administrativo e
poder-se-ia parecer à primeira vista estar em confronto com as normas
anteriormente mencionadas. De acordo com Vieira de Andrade, “a função
da impugnação de actos administrativos é, nos termos mais amplos, a do controlo
da sua invalidade”[vi].
Na opinião do Prof., este meio processual funciona de igual forma na declaração
de inexistência de um acto. Porém, consideramos que este meio não se enquadra
com a figura de inexistência, uma vez que já não estamos no campo da validade.
Um acto que não existe não pode ser válido ou inválido. Efectivamente é este
entendimento que o Anteprojecto acolhe, ao deixar de tratar da mesma forma os
actos inexistentes e os actos nulos para efeitos de prazo de impugnação (artigo
58.º, n.º 1).
Contrariamente ao que se passa no CPTA, o
Anteprojecto tem uma visão unitária ou monista do processo, tratando-se, assim,
na figura da acção administrativa tout court.
Desta forma, perde agora relevância, ao
determinar-se a forma do processo em apreço, a distinção entre as pretensões
processuais constitutivas, relativas às sentenças de anulação, e as
declarativas (de nulidade ou de inexistência). A obtenção de uma sentença
declarativa de inexistência de acto declarativo de acto administrativo é agora
possível na acção administrativa, já que a enumeração do artigo 37.º, n.º 2 do
Anteprojecto é meramente exemplificativa e também porque se acrescentou na
alínea i) deste número 2 a “condenação da Administração à adoção das
condutas necessárias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados,
incluindo em situações de via de facto, desprovidas de título que as legitime”,
pressupondo, desta forma, uma declaração sobre a inexistência jurídica desse
acto administrativo.
Porém apenas os actos juridicamente inexistentes podem ser objecto de uma
pretensão processual declarativa, uma vez que, apesar de este acto necessitar
de vinculatividade, de execução coerciva, de insanibilidade e de
irrevogabilidade as consequências de factos que têm origem na conduta
administrativa têm que ser tutelados jurisdicionalmente, contrariamente essa
tutela já não será necessária quando não há nada de material, ou seja, quando
nem sequer estamos perante uma mera aparência de acto administrativo. A recusa
de uma intervenção jurisdicional nos casos de actos materialmente inexistentes
justifica-se, assim, “sob pena de o tribunal emitir uma pronuncia
absolutamente inútil”[vii].
O facto de ser impossível a impugnação de um acto administrativo inexistente
(quando a impugnação tem por objecto a absoluta inexistência do acto) resulta,
em primeiro lugar, de não ser permitida pelo artigo 2.º n.º 2 do CPTA, ou seja,
o regime não tutela situações hipotéticas ou virtuais, uma vez que em relação a
estas não existe sequer interesse em agir. Desta forma, a impugnação não pode
ter outro objecto que não seja a anulação ou a declaração de nulidade de “decisões
que, no exercício de poderes juridico-administrativos,
visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”(artigo 148.º do NCPA), já que a nova formulação
do artigo 50.º n.º 1 do Anteprojecto não impede, porém, a impugnação dos actos
que certifiquem factos inverídicos ou inexistentes, que constam do artigo
161.º, n.º 2, j) do NCPA.
Conclui-se, assim, que o legislador do Anteprojecto tentou aproximar este
diploma à nova realidade substantiva deixando de prever a impugnação de actos
inexistentes.
Impugnação de Actos
Confirmativos
O direito
à impugnação de actos confirmativos surgiu pela primeira vez no nosso
ordenamento jurídico no artigo 55.º da LPTA, concordando com uma corrente
jurisprudencial minoritária que ia no sentido de só se admitir a
irrecorribilidade do acto confirmativo quando o acto confirmado tivesse sido
levado ao conhecimento do interessado de forma a que este tivesse a
possibilidade de o impugnar. Esta impugnabilidade era admitida em termos muito
restritos pela jurisprudência maioritária de então que entendia “ser de
rejeitar os recursos contenciosos interpostos de actos meramente confirmativos,
ainda que os actos confirmados não tivesse sido objecto de notificação aos
recorrentes”[viii].
Uma vez
aprovado o Código de Procedimento Administrativo, este regime passou a estar em
discordância com o regime da notificação do acto administrativo (artigo 66.º e
ss., do CPA) além de se poder suscitar dúvidas acerca da inconstitucionalidade
face ao artigo 268.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa[ix].
Foi, assim, no CPTA ( e no Anteprojecto) através do artigo 53.º, que ao
subordinar a impugnação com fundamento no carácter confirmativo do acto
impugnado, somente quando o acto em causa já tivesse sido impugnado ou
notificado ao autor (ou tivesse sido publicado), é que estes regimes se
tornaram coerentes.
O
objectivo desta compatibilização vai no sentido do conceito de acto
confirmativo, impedindo o atraso dos procedimentos administrativos através da
dedução de requerimentos sucessivos e de acordo com o artigo 9.º n.º 2 do CPA e
13.º n.º 2 do NCPA, excluindo-se, assim, o dever de decisão nos casos em que o
tribunal tenha praticado há menos de dois anos um acto administrativo sobre o
mesmo pedido formulado e com os mesmos fundamentos.
Se, por um
lado, o artigo 53.º limita a “invocação do carácter confirmativo do acto impugnado para efeitos
da rejeição da impugnação”[x], por outro lado, consegue impedir a impugnação
de actos cuja prática poderia ter sido recusada por não existir esse dever de
decisão. Inversamente já o oposto não acontece, ou seja, quando existe um dever
legal de decisão a prática de um novo acto confirmativo não impede a impugnação
deste mesmo acto, ainda que se verifiquem todos os requisitos de
inimpugnabilidade.
O
Professor Mário Aroso de Almeida considera que o artigo 53.º do CPTA deve ser
articulado conjuntamente com os n.º 2 e 3 do artigo 52.º, isto é, que estes
constituem excepções a regra geral que o primeiro enuncia. Porem, na maioria
dos casos, não é de excluir essa hipótese em actos de execução, tanto do acto
contido em diploma legislativo ou regulamentar (n.º 2), como de actos gerais
(nº3) e, desta forma, encarar os citados preceitos como duas excepções à
excepção relativa ao dever de decisão.
É desta
forma que se entende que o artigo 52.º não tenha sido objecto de alteração
enquanto que o artigo 53º mereceu uma redacção completamente diferente. Este
enuncia, em primeiro lugar, o conceito legal de actos confirmativos que define
como aqueles que se limitam a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões
contidas em actos anteriores. Porém, isto só não basta, também está implícito
na definição que é necessário que o acto posterior seja relativo à mesma
pretensão e, ao mesmo tempo, que seja praticado no mesmo procedimento ou, pelo
menos, numa nova pretensão idêntica à anterior que deu origem a um novo
procedimento. Em segundo lugar, consagra-se a regra geral da inimpugnabilidade
de todos os actos confirmativos, sujeito à verificação de três pressupostos :
1. Que haja uniformidade do quadro legal e factual
subjacente ao acto confirmado e ao acto confirmativo;
2. Que o acto confirmado não tenha sido levado ao
conhecimento do interessado;
3. Que exista total correspondência relativamente
aos interessados, aos fundamentos de facto e de direito e aos efeitos jurídicos
entre o acto confirmado e o acto confirmativo.[xi]
Já o
artigo 53.º do CPTA declara que só são impugnáveis os actos confirmativos a que
falte o 2º dos três pressupostos supra mencionados. No Anteprojecto, este
regime é completamente alterado passando a identificar-se os actos que não
podem ser objecto de impugnação, de acordo com a sua natureza confirmativa (n.º
1). As excepções do regime anterior valem, assim, actualmente, como regra.
Estas
excepções são, desde logo, que o interessado, sendo destinatário do acto
confirmado, não tenha tido possibilidade do impugnar por não ter sido
notificado. Esta notificação pressupõe a observação do regime das notificações
do novo CPA (artigos 111.º e ss.). Desta forma, se o acto confirmado foi
adequadamente notificado ao interessado e este, podendo fazê-lo, não o impugnou
no prazo ( artigo 58º) é-lhe vedada a oportunidade para impugnar o posterior
acto confirmativo.
Já a
publicação do acto confirmado, ainda que obrigatória, é irrelevante, excepto
quanto aos interessados a quem o acto não é directamente dirigido. No caso de a
publicação ser obrigatória, se o acto confirmado, anulável, não for impugnado
nos prazos que decorrem dos artigos 58.º nº 2 e 4, o interessado não tem
oportunidade de impugnar o acto confirmativo (53.º nº1 e n.º 2 e 59.º n.º 3 a)
Anteprojecto). Contrariamente se esta notificação não for obrigatória e se o
acto confirmado foi levado ao conhecimento do interessado e não foi impugnado
atempadamente, nos termos gerais, fica também impossibilitada a impugnação do
acto confirmativo, de acordo com os artigos 53.º n.º 1 e n.º 2 e 59.º n.º 3 b)
do Anteprojecto.
Em último
lugar, o n.º 3 do artigo 53.º do Anteprojecto refere que “os actos jurídicos
de execução de actos administrativos só são impugnáveis por vícios próprios, na
medida em que tenham um conteúdo decisório de carácter inovador”. Consagra-se
uma solução já acolhida pela jurisprudência e pela doutrina e que vai de acordo
com o objectivo que deu origem à conceitualização do acto confirmativo, ou
seja, o de não permitir os atrasos do procedimento onde este está inserido e a
consolidação efectiva do acto executado que não foi impugnado no devido prazo.
Para além disto continua, ainda, a ser possível a reacção contenciosa que agora
consta do artigo 182.º n.º 3 do NCPA, contra aquele tipo de actos, que, mesmo sem
efeitos inovatórios estejam viciados de ilegalidades relativamente ao próprio
regime de execução.
[i] Brito, Wladimir, Benjamin Barbosa, A Revisão dos requisitos gerais do
regime da impugnabilidade dos actos administrativos (actos confirmativos, actos
ineficazes e legitimidade) no Anteprojecto do CPTA, cit., p. 381.
[ii] Silva, Vasco Pereira da O
contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Coimbra, Almedina, 2005, pp. 373 e 374.
[iii] Silva, Vasco Pereira da O
contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Coimbra, Almedina, 2005,
p. 316.
[iv] Coimbra, José Duarte A
impugnabilidade de actos administrativos no Anteprojecto de Revisão do CPTA, p.
372.
[v] Andrade, José Carlos Vieira de Andrade, A
Justiça Administrativa, 9ª Ed., Coimbra, Almedina, 2007, p. 160.
[vi] Andrade, José Carlos Vieira de Andrade, A
Justiça Administrativa, 9ª Ed., Coimbra, Almedina, 2007, p. 203.
[vii] Acórdão TCA Sul de 08/05/2014, Rec.
Nº05586/09.
[viii] Botelho, José Manuel dos Santos, Contencioso
Administrativo, 3ª edição Coimbra, Almedina, 2000, p. 373.
[ix] Barbosa, Benjamim, A Revisão dos
requisitos gerais do regime da impugnabilidade dos actos administrativos (actos
confirmativos, actos ineficazes e legitimidade) no Anteprojecto do CPTA, p.
394.
[x] Andrade, José Carlos Vieira de Andrade, A
Justiça Administrativa, 9ª Ed., Coimbra, Almedina, 2007, p. 209.
[xi] Oliveira, Mário Esteves de Direito
Administrativo, volume I, Coimbra, Almedina, 1980 p. 411.
Guilherme
Martins
Aluno
n.º 22107
Subturma
1 do 4º Ano
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