quarta-feira, 11 de novembro de 2015

A ARBITRAGEM EM DIREITO ADMINISTRATIVO: UM PROBLEMA OU UMA SOLUÇÃO?

A arbitragem constitui uma técnica de resolução de litígios, fora do quadro dos tribunais que integram a jurisdição pública – corresponde a um negócio jurídico processual através do qual as partes atribuem legitimidade para resolver conflitos a tribunais sem ou com natureza permanente (arbitragem não institucionalizada e institucionalizada, respetivamente),  constituídos ad hoc. A arbitragem constitui um meio de resolução de litígios adjudicatório, uma vez que a decisão é confiada a terceiros (árbitros), sendo que a decisão final proferida no âmbito da arbitragem é vinculativa para as partes.

A arbitragem representa um meio de tutela efetiva dos cidadãos, trazendo a possibilidade de uma justiça mais célere  - as partes podem fixar o prazo para a decisão e, não havendo acordo entre eles, o prazo para a decisão será de seis meses - , adequada e mais económica  - visto que a celeridade dos tribunais arbitrais pode implicar, por exemplo, menos danos para as partes.  Mas serão apenas vantagens que este modelo alternativo de resolução de litígios apresenta? Não devemos ter em conta os inconvenientes? É a arbitragem em Direito Administrativo é um problema ou uma solução? Esta é a questão a que nos propomos dar resposta. Antes disso, há que considerar vários aspetos e conhecer melhor a arbitragem em Direito Administrativo.

Não vigora, em Portugal, uma reserva de jurisdição estadual no que concerne aos litígios que envolvam a Administração Pública: é desde há muito pacífico o entendimento de que as entidades públicas se podem comprometer em árbitros relativamente a litígios de Direito Administrativo correspondentes ao contencioso de plena jurisdição, respeitante à interpretação, validade ou execução de contrato administrativos e à constituição em responsabilidade civil por danos causados pela Administração no âmbito da sua atividade de gestão pública. Com efeito, o art. 209º CRP, ao enunciar as categorias de tribunais que são admitidas na ordem jurídica portuguesa, refere-se aos tribunais arbitrais (nº2).

De acordo com o art. 181º/1 CPTA, o tribunal arbitral funciona nos termos da lei sobre a arbitragem voluntária (doravante, LAV). Ora, nos termos do art. 1º/1 desta lei, os litígios podem ser cometidos pelas partes à decisão de árbitros, mediante convenção de arbitragem, sendo que esta pode consistir num compromisso arbitral ou numa cláusula compromissória, consoante o litígio seja atual ou eventual, respetivamente. Do mesmo modo, as partes podem considerar abrangidas na dita convenção não apenas questões de natureza contenciosa em sentido estrito, mas também as relacionadas com a necessidade de precisar, completar, atualizar ou mesmo rever os contratos ou as relações jurídicas que estão na origem das convenções (art. 1º/3 LAV), disposição que pode – e deve – ser aplicada no âmbito das relações jurídicas administrativas.

A admissibilidade da arbitragem em matéria administrativa não resulta da consagração legal, com carácter geral, de um critério único de arbitrabilidade, que resulte da LAV. Pelo contrário, é ao legislador que compete eleger o critério ou os critérios que o hão de orientar na identificação dos casos concretos ou dos domínios genéricos em que entenda dever autorizar a submissão da resolução de litígios de direito público à decisão de árbitros. No ordenamento jurídico português, é ao Direito Administrativo que, em diploma ou diplomas próprios, cumpre definir um regime próprio no que toca aos critérios de arbitrabilidade a adoptar no âmbito das relações jurídicas administrativas.

Presentemente, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), regula a matéria da arbitragem nos artigos 180º a 187º. No que se refere à delimitação do âmbito das matérias que podem ser submetidas, enuncia, no art. 180º, um elenco de matérias para cujo julgamento, pode ser constituído tribunal arbitral; e o art. 187º habilita o Estado a autorizar a instalação de centros de arbitragem permanente destinados à composição de litígios no âmbito de um conjunto mais alargado de matérias. Este conjunto de previsões suscita algumas dificuldades. E porquê?

Porque as sucessivas e incoerentes brechas que o legislador nacional tem vindo a abrir no “tradicional edifício da inarbitrabilidade” de questões relativas a atos administrativos conduziram a um conjunto desarmónico de previsões de arbitrabilidade nessa matéria que, por não se sustentarem em critérios lógicos, não permitem delimitar de modo coerente as matérias que são passíveis de serem submetidas a arbitragem – a maior das incongruências resulta dos limites que são impostos à admissibilidade da arbitragem sobre a legalidade de atos administrativos.

Não podemos, no entanto, olhar para este obstáculo como um inconveniente da arbitragem, como um problema – simplesmente, a solução, nesta matéria, devia ser outra. E qual? Bem, o caminho deveria passar por se abdicar, por falta de um critério coerente, de uma enunciação pela positiva das matérias de Direito Administrativo que são passíveis de ser submetidas a arbitragem e se procurarem identificar limites coerentes que, pela negativa, permitam identificar as matérias que não devem poder ser submetidas a arbitragem. Todos os tipos de matérias seriam, à partida, passíveis de arbitragem, incluindo no domínio da fiscalização da legalidade de atos administrativos, sem restrições difíceis de interpretar. E, em contrapartida, haveria que ressalvar as situações que, por contenderem com mais relevantes interesses públicos ou dizerem respeito a direitos indisponíveis dos particulares nas suas relações com a Administração, deveriam ser reconhecidas como sendo objeto de uma reserva constitucional da jurisdição do Estado e, como tais, vedadas à arbitragem.

Forçoso parece ainda reconhecer, e contra afirmações em sentido contrário, que a arbitragem não deixa de envolver a participação das partes na determinação do modo pelo qual o litígio será decidido, uma vez que a elas pertence a opção de lançar mão da via arbitral e de designar os árbitros, mas não depende do assentimento das partes e, portanto, da sua participação coconstitutiva na determinação da solução a dar ao litígio. E mais: os poderes que os árbitros exercem não são poderes originários das partes, que neles sejam por elas delegados, mas poderes de natureza jurisdicional, em que os árbitros são investidos por vontade das partes, mas que não lhe são transmitidos por elas. A arbitragem é um instrumento de heterodefinição, mediante o qual os árbitros são investidos no exercício da função jurisdicional, e não em poderes delegados de disposição que lhes sejam confiados pelas partes.

Tradicionalmente, são (ou eram) colocados os seguintes obstáculos à arbitragem no Direito Administrativo: a concepção de que a natureza pública do sujeito tornaria incoerente a sua subtração à jurisdição estatal este argumento, fruto da concepção que via no recurso dos entes públicas à arbitragem um golpe na soberania estatal, esquecendo que a resolução arbitral de litígios é uma resolução jurisdicional, seria facilmente contornado através de demarcação de áreas onde o  jus imperii não fosse ameaçado; a inderrogabilidade das normas sobre competência dos tribunais administrativos – se outras razões não depusessem contra a introdução da arbitragem no domínio jus-administrativo, sempre se haveria de entender que a norma que define a competência dos tribunais estaduais, vale sem prejuízo da possível derrogação ou exceção provocada por compromissos arbitrais ou cláusulas compromissórias, nada obstando que a lei coloque na vontade das partes a modificação da competência destes tribunais face a situações concretas; e ainda, sobretudo, a sujeição da administração ao princípio da legalidade e ideia de indisponibilidade dos poderes dos órgãos administrativos  - basta a existência de uma autorização legislativa para que a legalidade não seja atingida com o recurso a árbitros e, quanto à indisponibilidade, mais não implicaria do que reconhecer a necessária circunscrição do campo da arbitrabilidade dos litígios jurídico-administrativos às zonas de disponibilidade da Administração sobre a situação jurídica em causa.

Os obstáculos apresentados podem, quando muito, implicar limite à arbitragem no Direito Administrativo, mas não afastá-la. Para além disso, cabe pesá-los com as razões que justificam o recurso à arbitragem: o caráter mais expedito da justiça arbitral, que assume particular relevância num contexto de lentidão crescente da tramitação processual e de generalizada ineficiência dos tribunais administrativos; a mais adequação das soluções proporcionadas por árbitros dotados de qualificações e conhecimento técnicos especiais, capazes de responder à complexidade dos litígios, a possibilidade de o recurso à arbitragem funcionar como mecanismo flexibilizador do Direito aplicável pela suscetibilidade de os árbitros julgarem segundo a equidade.  

Mafalda Fuzeta da Ponte
4º ano, subturma 1
n.º 23401

Bibliografia
  • ·      Oliveira, Ana Perestrelo de,
 Arbitragem de litígios com entes públicos, Lisboa, Almedina, 2006
  •      Silva, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Coimbra, Almedina, 2009
  • ·      Andrade, José Carlos Vieira de, 
A justiça administrativa, Coimbra, Almedina, 2009
  • ·     Almeida, Mário Aroso de,
Sobre o âmbito das matérias passíveis de arbitragem de direito administrativo em Portugal, In: Estudos em homenagem a Miguel Galvão Teles, vol. 2, Coimbra, 2012
  • ·     Correia, Sérvulo,
 A arbitragem dos litígios entre particulares e a Administração Pública sobre situações regidas pelo Direito Administrativo, In: Estudos em memória do Conselheiro Artur Maurício, Coimbra, 2014
  • ·      file:///Users/utilizador/Downloads/A.7__2010__-_p.171-186_2_.pdf




ara as partes.


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