segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Impugnação de Normas no Contencioso Administrativo

Impugnação de Normas no Contencioso Administrativo

            O conceito de regulamento administrativo encontra-se devidamente tipificado no actual artigo 135º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), ao referir que “Para efeitos do disposto no presente Código, consideram-se regulamentos administrativos as normas jurídicas gerais e abstractas que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visam produzir efeitos jurídicos externos”.
            A impugnação de normas administrativas aplica-se portanto, a todas as normas jurídicas gerais e abstractas – ou que possuam apenas uma dessas características – que provém de autoridades públicas e/ou de particulares que participem no exercício da função administrativa. Exclui-se deste preceito os actos que sejam materialmente administrativos e igualmente as normas jurídicas dispostas no âmbito da função legislativa.

Recordando o regime histórico subsistente à data da reforma do Contencioso Administrativo, e segundo a opinião do Professor Vasco Pereira da Silva, antes de 1985 a reacção contenciosa em sentido contrário aos regulamentos administrativos, podia ser exercida de três formas distintas: i) Através da via incidental, que consistia no fundo, numa apreciação indirecta do regulamento administrativo. Na existência de um regulamento ilegal que legitimasse a prática de um determinado acto, ao declarar a nulidade do acto, o tribunal poderá igualmente desaplicar o regulamento ilegal que servia de fundamento ao acto. Era uma espécie de incidente da questão principal. ii) Outra forma de reacção seria através de um meio processual genérico, previamente regulado nos artigos 66 e seguintes da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos (LEPTA). Este meio podia ser utilizado contra qualquer norma regulamentar, independentemente do órgão ou entidade que a tivesse emanado, tendo apenas como requisito a exequibilidade da norma, ou desta, já ter sido declarada ilegal em três casos concretos. iii) O terceiro meio de reacção contenciosa consistia num meio processual especial, no qual a impugnação das normas respeitava apenas os regulamentos provenientes da administração local comum (órgãos da Administração Pública Regional ou Local, das Pessoas Colectivas de Utilidade Pública Administrativa e dos Concessionários, dos artigos 51º, nº1 do Decreto-Lei 129/84). Poder-se-á afirmar que era uma via bastante mais restrita, embora estivesse imune às condições estabelecidas para a via anterior.

Este enquadramento jurisprudencial permite uma visão abrangente do desenvolvimento jurídico em sede de impugnação de normas administrativas. É visível a ideia de dualidade de meios processuais até 1985 – meio processual genérico e meio processual especial – e ainda numa análise aos antecedentes históricos constitucionais, importa referir a reforma de 1997, na qual o artigo 268º, nº5 da Constituição da República Portuguesa (CRP), aditou o direito de impugnação judicial directa de normas administrativas com eficácia externa, quando estas prejudiquem direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares.
Na reforma do Contencioso Administrativo de 2004, uma das suas principais orientações prendeu-se com o estabelecimento de um regime uniforme, estabelecendo-se como padrão, o meio processual genérico. Esta uniformização do contencioso regulamentar, no entender do Professor Vasco Pereira da Silva, violava o direito fundamental de impugnação de normas jurídicas lesivas dos direitos particulares – o supracitado artigo 268º/5 da Constituição da República Portuguesa – por referir, expressamente, na letra do artigo 73º/2 do CPTA, que em casos de declaração de ilegalidade, quando se trate de uma norma jurídica exequível, esta apenas produz efeitos no caso concreto, o que no seu entender, tratar-se-ia de uma restrição afecta à extensão e alcance do conteúdo essencial do direito.
Segundo o Professor Vieira de Andrade, a reforma do Contencioso Administrativo de 2004, permitiu delinear duas modalidades de impugnação de normas, uma vez que se decalcam dois tipos de pedidos, o (1) pedido de declaração com força obrigatória geral e o (2) pedido de declaração de ilegalidade no caso concreto.
            Importa frisar que aquando da reforma de 2004, previu-se que se efectuasse a revisão do CPTA decorridos três anos da sua entrada em vigor. Tal não sucedeu, já tinham decorrido mais de dez anos e urgia a necessidade de modernização da justiça administrativa portuguesa, de forma a poder adaptar-se igualmente ao novo Código de Processo Civil (CPC). A recente reforma de 2015, que irei abordar de seguida, coloca um fim à divisão clássica entre meios processuais, relativos à acção administrativa genérica e especial.

1.   O Novo Regime de Impugnação de Normas Administrativas

A impugnação de normas no contencioso administrativo tem por objecto a declaração da ilegalidade de normas administrativas com fundamento em vícios próprios ou decorrente da invalidade de actos praticados no âmbito do procedimento de aprovação (artigo 72º/1 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, vulgo, CPTA). Nestes casos o lesado obterá o reconhecimento, com força obrigatória geral, de que a norma em questão é comprovadamente ilegal. Este regime não sofreu qualquer alteração com a introdução do novo Código de Processo dos Tribunais Administrativos, uma vez que o legislador manteve as duas modalidades de impugnação de norma. Refiro-me à impugnação de normas com força obrigatória geral e à impugnação de normas sem força obrigatória geral.

Tem legitimidade para impugnar normas administrativas qualquer interessado directamente prejudicado pela vigência da norma ou que possa previsivelmente vir a sê-lo num momento próximo, independentemente da prática de acto concreto de aplicação (artigo 73º/1 do CPTA), ao contrário do que referia a disposição anterior que apenas atribuía legitimidade a qualquer interessado nos casos em que a aplicação da norma tivesse sido previamente recusada, em qualquer tribunal, em três casos concretos. É igualmente adicionado à letra do texto a legitimidade dos presidentes de órgãos colegiais poderem impugnar normas administrativas, desde que estas tenham sido emitidas pelos órgãos respectivos. É ainda atribuída, tal como já sucedia anteriormente, legitimidade ao Ministério Público – enquanto titular da acção pública administrativa - e outras pessoas e entidades – enquanto titulares do direito procedimental de acção popular -  nos termos do artigo 9º, nº 2, para impugnar normas administrativas.
É também adicionado o Ministério Público no artigo 73º, nº 3 nos pedidos de impugnação da norma administrativa, nos casos em que os efeitos da norma não se produzam imediatamente. É um acrescento que não tinha sido previsto no anterior artigo 73º, nº2.
Interessa ainda referir no âmbito dos pressupostos de impugnação das normas administrativas, que quando o legislador refere como “norma imediatamente operativa” no artigo 73º do CPTA, está a referir-se em concreto às normas com eficácia externa (artigo 135º do Código do Procedimento Administrativo).
Relativamente à existência de prazo para a declaração de ilegalidade, esta é uma novidade no actual artigo 74º, nº 2 do CPTA em relação ao antigo artigo 74º, que dispunha na sua anterior redacção que o pedido de declaração podia ser realizado a qualquer momento. É, porém, pouco preciso, a assunção de que no anterior regime não existia qualquer restrição temporal ao particular que desejasse intentar determinada acção. Importa recordar que no referido regime jurídico era necessária a existência de três casos de desaplicação da norma para que a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral pudesse ser intentada por quem fosse prejudicado pela actuação da norma ou pudesse previsivelmente, vir a sê-lo.
Foi aditado o número 2 ao artigo 74º do CPTA, que refere o seguinte: “a declaração de ilegalidade com fundamento em ilegalidade formal ou procedimental da qual não resulte inconstitucionalidade só pode ser pedida no prazo de seis meses”. A introdução do prazo máximo de seis meses a contar desde a data da publicação do diploma regulamentar não se aplica aos casos de carência absoluta de forma legal, nem tão pouco aos casos de preterição de consulta pública exigida por lei.
Em sede dos efeitos da declaração de ilegalidade, o legislador foi bastante rigoroso ao aditar o número 5 ao artigo 76º, reforçando o efeito de repristinação das normas revogadas – efeito que se encontrava mencionado no antigo número 1 – explicitando que se encontram excluídas deste efeito repristinatório as normas ilegais ou que tenham deixado de vigorar por outro motivo.
O actual artigo número 1 excepciona os casos de ilegalidade superveniente, e foi igualmente adicionado o número 3, que salvaguarda a eliminação dos efeitos lesivos causados na esfera jurídica do autor nos casos em que se estabelece a produção de efeitos apenas a partir da data do trânsito em julgado da sentença. Mantém-se, desta forma, a regra geral de que os efeitos se produzem de uma forma retroactiva (artigo 76º, nº1 do CPTA) – eficácia ex tunc – salvo os casos em que é conferido ao tribunal o poder de determinar que os efeitos apenas se produzam para o futuro (artigo 76º, nº2 do CPTA) – eficácia ex nunc – quando se justifique pelo conjunto de razões enumeradas no próprio artigo.
No que diz respeito à impugnação sem força obrigatória geral, que se encontra prevista no artigo 73º, nº2 do CPTA e apesar dos efeitos não se encontrarem propriamente previstos na lei, parece-me que a actual posição doutrinária de que se produzem de uma forma retroactiva e igualmente repristinatória, é a que fará mais sentido.


Abordadas as alterações ao CPTA no âmbito da impugnação de normas administrativas, parece-me notória a simplificação e clarificação do regime actual. Ainda assim, refira-se que o motivo das criticas do Professor Vasco Pereira da Silva relativas à modalidade de impugnação sem força obrigatória geral se mantenha inalterável, ao produzir efeitos apenas no caso concreto, o que na sua óptica, é ilógico.

Pedro Azevedo Rocha,
nº 22116.


Bibliografia:

ALMEIDA, Mário Aroso de - Manual de Processo Administrativo (2010);
ANDRADE, José Carlos Vieira de - A justiça Administrativa (2015);
SILVA, Vasco Pereira da - O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise (2009);



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