quinta-feira, 26 de novembro de 2015


A Condenação à Emissão de Normas

            O mecanismo processual constante no artigo 77º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, foi introduzido pela reforma do Contencioso Administrativo de 2004.

Este dispositivo permite reagir contra a omissão ilegal de normas administrativas cuja adoção seja necessária para dar exequibilidade a atos legislativos de regulamentação.

            Este mecanismo já antes era proclamado por João Caupers¹ ao considerar que “a inércia regulamentar, para além do prazo razoável (…) constituía, por si mesma, violação de uma dever jurídico de regulamentar, decorrente, expressa ou implicitamente, da norma legal, daí resultando a necessidade de conceder aos tribunais administrativos o poder de, a instância dos interessados (…), ou do Ministério Público, preferirem sentença declarando aquela violação e fixando um prazo para produzir a regulamentação em falta”.

            Esta figura é inspirada na pronúncia de inconstitucionalidade por omissão que a Constituição da República Portuguesa institui e regula no artigo 283º. A solução de criar um regime para a condenação à emissão de regulamentos no Contencioso semelhante ou inspirado no regime de inconstitucionalidade por omissão constante na nossa Constituição foi proposta pelo Professor Paulo Otero. Essa proposta foi apresentada no âmbito da discussão pública da reforma.

            Consagrado este preceito, surge a possibilidade de em ação administrativa especial, se suscitar um pedido de apreciação da ilegalidade por omissão de normas regulamentares devidas, quer esse dever resulte, de forma direta, da referência expressa a uma lei concreta, quer esse dever decorra, de forma indireta, de uma remissão implícita para o poder regulamentar, em virtude da incompletude ou inexequibilidade do ato legislativo, artigo 77º/1 CPTA.

            Todavia, o número 2 do artigo 77º do CPTA já se distancia do que é estabelecido no artigo 283º/2 da CRP, na medida em que não se limita a conferir ao tribunal o poder de dar conhecimento da situação de omissão ao órgão competente, vai mais longe! É atribuído ao tribunal o poder de fixar uma prazo, não inferior a seis meses, dentro do qual a omissão deverá ser suprida.

            O Professor Mário Aroso de Almeida sustenta que o Código procurou uma via intermédia entre a solução de atribuir ao juiz um mero poder de declaração de omissão e a solução de lhe atribuir o poder de condenar a Administração à emissão do regulamento devido.  

            Segundo o Professor Vasco Pereira da Silva, embora esta sentença de declaração de ilegalidade por omissão de normas regulamentares se afaste das sentenças idênticas do Tribunal Constitucional por omissão de atos legislativos fica aquém de uma verdadeira e própria sentença incriminatória.

Na opinião do Professor Aroso de Almeida, a pronúncia declarativa de conteúdo impositivo parece estar mais próxima de uma sentença de condenação do que de uma sentença meramente declarativa ou de simples apreciação.

Retomando a opinião do Professor Vasco Pereira da Silva, nada impedia que se tivesse estabelecido a possibilidade de condenação da Administração na produção da norma regulamentar devida. Esta possibilidade em nada poria em causa o princípio da separação de poderes, já que seria necessário distinguir uma de duas hipóteses distintas:

A)    Situação em que existe um dever legal de emissão de regulamento, mesmo se a lei conferia à autoridade dotada de poder regulamentar uma ampla margem de discricionariedade na conformação do respetivo conteúdo. Caso em que o tribunal limitar-se-ia à condenação na emissão do regulamento, cabendo à Administração a responsabilidade pela escolha do conteúdo das normas administrativas nos limites fixados pela lei regulamentada. Onde o juiz poderia, somente, fornecer algumas indicações quanto ao modo correto de exercício do poder discricionário.

B)     Situação em que além do dever legal de emitir regulamento, existe também a obrigatoriedade do regulamento possuir um determinado conteúdo, pré-determinado pelo legislador. Neste caso, em que tanto a emissão do regulamento como o seu conteúdo resultam de vinculação legal, o Professor não vê razão para que não pudesse existir uma sentença de condenação na emissão de regulamento com determinado conteúdo.

O reconhecimento do dever de emissão do regulamento, dentro do prazo fixado pelo juiz, pode ser acompanhado da fixação de uma sanção pecuniária compulsória, de acordo com o regime geral dessa sanção (artigo 3º/2 do CPTA).

Para além disso, a inobservância do prazo é qualificada como um ato de desobediência em relação à sentença que habilita o beneficiário da mesma a desencadear os mecanismos de execução adequados, isto é, a fixação de um prazo limite com imposição de uma sanção pecuniária compulsória aos responsáveis pela persistência na omissão.

Para terminar, quanto à legitimidade para acionar este mecanismo cabe ao Ministério Público, às demais pessoas e entidades defensoras dos interesses referidos no artigo 9º/2 do CPTA e a quem alegue um prejuízo diretamente resultante da ação de “omissão”. Esta norma remete para as regras gerais da legitimidade da ação para defesa de direitos, da ação pública e da ação popular e não pretende estabelecer um regime especifico, devendo entender-se que a alegação do prejuízo diz respeito a uma posição jurídica subjetiva do particular.
 
 
¹. Cit. Silva, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Ensaio sobre as ações do novo processo administrativo, 2ª edição, 2009, Almedina, p.430.
 
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Bibliografia:
Silva, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Ensaio sobre as ações do novo processo administrativo, 2ª edição, 2009, Almedina;
 
Almeida, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, 5ª reimpressão da edição de Novembro de 2010, 2015, Almedina.
 
 
 
Inês Mourão
Número: 20959
 
 
 

 

 

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