A
Condenação à Emissão de Normas
O mecanismo processual constante no artigo 77º do Código
de Processo dos Tribunais Administrativos, foi introduzido pela reforma do
Contencioso Administrativo de 2004.
Este dispositivo permite reagir
contra a omissão ilegal de normas administrativas cuja adoção seja necessária
para dar exequibilidade a atos legislativos de regulamentação.
Este mecanismo já antes era proclamado por João Caupers¹
ao considerar que “a inércia regulamentar, para além do prazo razoável (…) constituía,
por si mesma, violação de uma dever jurídico de regulamentar, decorrente,
expressa ou implicitamente, da norma legal, daí resultando a necessidade de
conceder aos tribunais administrativos o poder de, a instância dos interessados
(…), ou do Ministério Público, preferirem sentença declarando aquela violação e
fixando um prazo para produzir a regulamentação em falta”.
Esta figura é inspirada na pronúncia de inconstitucionalidade
por omissão que a Constituição da República Portuguesa institui e regula no
artigo 283º. A solução de criar um regime para a condenação à emissão de
regulamentos no Contencioso semelhante ou inspirado no regime de
inconstitucionalidade por omissão constante na nossa Constituição foi proposta
pelo Professor Paulo Otero. Essa proposta foi apresentada no âmbito da
discussão pública da reforma.
Consagrado este preceito, surge a possibilidade de em
ação administrativa especial, se suscitar um pedido de apreciação da
ilegalidade por omissão de normas regulamentares devidas, quer esse dever
resulte, de forma direta, da referência expressa a uma lei concreta, quer esse
dever decorra, de forma indireta, de uma remissão implícita para o poder
regulamentar, em virtude da incompletude ou inexequibilidade do ato
legislativo, artigo 77º/1 CPTA.
Todavia, o número 2 do artigo 77º do CPTA já se distancia
do que é estabelecido no artigo 283º/2 da CRP, na medida em que não se limita a
conferir ao tribunal o poder de dar conhecimento da situação de omissão ao órgão
competente, vai mais longe! É atribuído ao tribunal o poder de fixar uma prazo,
não inferior a seis meses, dentro do qual a omissão deverá ser suprida.
O Professor Mário Aroso de Almeida sustenta que o Código
procurou uma via intermédia entre a solução de atribuir ao juiz um mero poder
de declaração de omissão e a solução de lhe atribuir o poder de condenar a
Administração à emissão do regulamento devido.
Segundo o Professor Vasco Pereira da Silva, embora esta
sentença de declaração de ilegalidade por omissão de normas regulamentares se
afaste das sentenças idênticas do Tribunal Constitucional por omissão de atos
legislativos fica aquém de uma verdadeira e própria sentença incriminatória.
Na opinião do Professor Aroso
de Almeida, a pronúncia declarativa de conteúdo impositivo parece estar mais próxima
de uma sentença de condenação do que de uma sentença meramente declarativa ou
de simples apreciação.
Retomando a opinião do
Professor Vasco Pereira da Silva, nada impedia que se tivesse estabelecido a
possibilidade de condenação da Administração na produção da norma regulamentar
devida. Esta possibilidade em nada poria em causa o princípio da separação de
poderes, já que seria necessário distinguir uma de duas hipóteses distintas:
A)
Situação em que existe um dever legal de
emissão de regulamento, mesmo se a lei conferia à autoridade dotada de poder
regulamentar uma ampla margem de discricionariedade na conformação do respetivo
conteúdo. Caso em que o tribunal limitar-se-ia à condenação na emissão do
regulamento, cabendo à Administração a responsabilidade pela escolha do conteúdo
das normas administrativas nos limites fixados pela lei regulamentada. Onde o
juiz poderia, somente, fornecer algumas indicações quanto ao modo correto de exercício
do poder discricionário.
B)
Situação em que além do dever legal de
emitir regulamento, existe também a obrigatoriedade do regulamento possuir um
determinado conteúdo, pré-determinado pelo legislador. Neste caso, em que tanto
a emissão do regulamento como o seu conteúdo resultam de vinculação legal, o
Professor não vê razão para que não pudesse existir uma sentença de condenação
na emissão de regulamento com determinado conteúdo.
O
reconhecimento do dever de emissão do regulamento, dentro do prazo fixado pelo
juiz, pode ser acompanhado da fixação de uma sanção pecuniária compulsória, de
acordo com o regime geral dessa sanção (artigo 3º/2 do CPTA).
Para além disso, a inobservância
do prazo é qualificada como um ato de desobediência em relação à sentença que
habilita o beneficiário da mesma a desencadear os mecanismos de execução adequados,
isto é, a fixação de um prazo limite com imposição de uma sanção pecuniária
compulsória aos responsáveis pela persistência na omissão.
Para
terminar, quanto à legitimidade para acionar este mecanismo cabe ao Ministério
Público, às demais pessoas e entidades defensoras dos interesses referidos no
artigo 9º/2 do CPTA e a quem alegue um prejuízo diretamente resultante da ação
de “omissão”. Esta norma remete para as regras gerais da legitimidade da ação
para defesa de direitos, da ação pública e da ação popular e não pretende
estabelecer um regime especifico, devendo entender-se que a alegação do prejuízo
diz respeito a uma posição jurídica subjetiva do particular.
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