«Em vez de se reconhecer que "julgar a Administração é ainda julgar", preferia-se considerar que "julgar a Administração é ainda administrar". [...] O resultado desta situação é paradoxal: em nome da separação de poderes entre a Administração e a Justiça, o que verdadeiramente se realiza é a indiferenciação entre as funções de administrar e de julgar...»
Vasco Pereira da Silva
É certo que o contencioso administrativo ficou marcado pela sua infância difícil e pelos traumas que sofreu. Traumas esses que ficaram em grande parte a dever-se ao modelo de contencioso desenvolvido a partir da dependência da administração e da sua sobreposição face à protecção dos particulares. O contencioso surgido com a revolução francesa, ficou marcado por um "pecado original" proveniente da ligação da administração à justiça. Este "pecado original" do contencioso (como apelida o Prof. Vasco Pereira da Silva) foi desenvolvido de forma promiscua, num ambiente de confusão entre as tarefas de administrar e julgar, uma vez que a justiça cresceu dentro da administração. Isto porque os tribunais judiciais estavam proibidos de interferir na esfera da administração. Mas qual a justificação invocada para esta proibição? O principio da separação de poderes, isso mesmo. Os revolucionários franceses invocavam o principio da separação de poderes, mas faziam dele uma interpretação completamente distorcida e descabida. Assim, como entende o Prof. Vasco Pereira da Silva, o resultado desta situação foi paradoxal: em nome da separação de poderes entre a administração e a justiça, o resultado a que verdadeiramente se chegou foi à indiferenciação entre as funções de administrar e julgar - isto porque os litígios eram remetidos para os próprios órgãos da administração activa, dando origem a uma situação de verdadeira isenção judicial da administração. Com isto, parece-nos correcto concluir que o principio da separação de poderes como o conheceremos, e enquanto fonte da criação da justiça administrativa, nunca existiu enquanto tal. O "pecado original" do contencioso foi a criação de um juiz doméstico, um juiz de trazer por casa, que apenas tinha a capacidade de anular os actos da administração, mas não de os julgar. O Estado escondeu-se por detrás da administração, obrigando à criação de um contencioso 'especial', uma vez que era inconcebível o seu julgamento por um qualquer juiz. Aliás, era mesmo interdito aos juízes perturbarem a administração com questões tão 'singelas'. Assim, o Estado partia da ideia de que não podia haver controlo da administração pelo poder jurisdicional, apoiando-se na ideia de quem decidiu/praticou o acto é que tinha o poder/dever de se controlar a si mesmo, confundindo-se a tarefa de administrar e julgar, pois ambas estavam investidas na mesma pessoa. Estes traumas marcaram todo um contencioso que ainda hoje deixa transparecer algumas marcas desses traumas por se tratar de um contencioso limitado em todos os sentidos: tanto na falta de julgamento da administração como na falta de poderes do juiz, e também como na falta de direitos dos particulares face à administração. Cabe referir que é apenas no 3º período subdividido e apelidado pelo Prof. Vasco Pereira da Silva como o período do "crisma ou confirmação", e com o impulso da lei fundamental de Bone que a Constituição vai criar uma norma perfeita (art.19º/4) em que o juiz goza de plena tutela dos direitos dos particulares e do contencioso. Este período é o da confirmação porque confirma a natureza jurisdicional do contencioso, e este passa a existir para a igualdade das partes (administração e particulares), que passam a ter os mesmos direitos e deveres perante o juiz.
Ana Margarida Duarte 22508
Sem comentários:
Enviar um comentário