sábado, 28 de novembro de 2015

A Reserva de Administração em face do Poder Judicial

A Reserva de Administração em face do Poder Judicial

Na análise do fundamento da reserva de Administração em face do Poder Judicial somos confrontados com normas e princípios jurídicos que nos parametrizam esta realidade, bem como realidades de ordem prática que também entram nessa mesma equação.

Encontramos como ponto de partida desta reflexão, o Princípio da Separação de Poderes. Importa referir que este princípio, consagrado no art.º 111º da Constituição da República Portuguesa deve ser entendido e interpretado em harmonia com um outro princípio com dignidade constitucional: o princípio da garantia do controlo judicial da atividade administrativa. Diz-nos o art.º 268/4 da C.R.P. que é “garantida aos administrados tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos legalmente protegidos”, porém esse controle judicial esbarra na separação de poderes, e em particular na conceção do legislador quanto à definição e limites do Poder Judicial.

Como nos diz BERNARDO AYALA, “os tribunais perderiam o seu atributo principal – a independência – se admitíssemos que eles têm poderes para tomar decisões baseadas numa livre escolha, de acordo com critérios de interesse político-administrativo nacional, regional ou local”. Tal constatação parece evidenciar o perigo de o juiz se transformar em “administrador” e extravasar as funções de controlo o nosso sistema constitucional designou para o poder judicial, pelo normalmente se tem remetido para a dicotomia legalidade “versus” mérito, que veremos adiante.
 Em Portugal, o controlo do mérito é da exclusiva responsabilidade da Administração, sendo que pelo mesmo se tem entendido, como opina FREITAS DO AMARAL, a avaliação e verificação do “bem fundado da decisão, independentemente da sua legalidade”. O mesmo autor refere que este controlo normalmente vem associado a duas ideias fundamentais: a Justiça e a Conveniência.

A Justiça, entendida como a adequação do ato praticado pela Administração ao interesse público que o mesmo prossegue e os efeitos produzidos na esfera dos particulares, faz hoje parte da legalidade, em virtude do art.º 266/2 da CRP que consagrou o princípio formal da Justiça, e como tal, deixou de fazer parte da apreciação de mérito dos atos da administração pública.

Não obstante, a conveniência mantém a sua importância nesta matéria. FREITAS DO AMARAL reconduz esta ideia à seguinte conceptualização: “A conveniência do ato, é a adequação desse ato ao interesse público específico que justiça a sua prática ou à necessária harmonia entre tal interesse e os demais interesses públicos afetados pelo ato”.

Esta mesma ponderação da conveniência, a ser feita pelos tribunais consubstanciaria, per si, uma violação do princípio da Justiça, uma vez que os tribunais quando comparados com a Administração têm uma menor aptidão estrutural que não pode ser obnubilada. Ora vejamos, a Administração Pública dispõe de meios técnicos, científicos, funcionais e procedimentos que os tribunais não estão dotados, para além de importantes fatores como a experiência e acesso à informação, que são garante de decisões justas para os cidadãos no caso concreto, devidamente enquadradas na realidade nacional, regional ou local em matéria de decisões administrativas.

Sustentando esta posição, refere BERNARDO AYALA, que “os tribunais não apresentam condições sólidas para se substituírem à Administração na feitura, em última instância, dos raciocínios de prognose típicos da margem de livre decisão administrativa”.

Com efeito, o facto de o mérito, na vertente conveniência, não poder ser controlado judicialmente, não significa que os atos praticados pela administração no exercício de poderes discricionários estejam isentos do controlo de legalidade por parte dos tribunais administrativos. Ora, os atos vulgarmente designados como discricionários podem ser impugnados: 1) com fundamento em incompetência do órgão que praticou o ato; 2) com base em vício de forma, em particular pela preterição de formalidades essenciais como a fundamentação da decisão ou outros vícios relativos ao procedimento da mesma; 3) devido a violação de lei, por ofensa a quaisquer barreiras que limitam este poder vincula como é o caso dos princípios constitucionais da justiça, igualdade, proporcionalidade, boa-fé e imparcialidade; e por fim, 4) por força de quaisquer defeitos da vontade, de onde a prática da administração nos faz salientar o erro de facto.

É de salientar, que as situações enunciadas no parágrafo anterior não se confundem com o mérito da decisão, dizendo apenas respeito às prescrições legais que vinculam a administração na prática de atos no exercício de poderes discricionários, ou seja, os tribunais exercem nestes casos a sua habitual função de controlo da legalidade e nada mais.

Importa dizer também, que nem sempre foi assim, visto que até à entrada em vigor da Constituição da república vigente, um ato legal mesmo que consubstanciasse uma injustiça era insuscetível de ser impugnado, porque o entendimento positivista do Contencioso Administrativo do Estado Novo limitava a atividade judicial à pura e simples legalidade ou ilegalidade do ato. 

De seguida, é de analisar as consequências que a exclusão do controlo judicial da margem de livre apreciação da administração representa para o administrado. Desde logo, evita-se a perda na qualidade da decisão que necessariamente adviria de uma decisão judicial nas matérias em questão, uma vez que, como já referi, os tribunais não dispõem do mesmo leque de meios que a Administração. Garante-se a igualdade material de entre os administrados, uma vez que só a Administração tem conhecimento de como foram e como são analisadas e decididas situações análogas. Por fim, os decisores administrativos, são muitas vezes responsabilizados politicamente, ou seja, pelo eleitorado em função das suas opções ao nível da conveniência dos atos administrativo que praticaram, situação que não ocorre com o Magistrados Judiciais, que por sua vez estão esvaziados, por natureza, da representatividade democrática que normalmente assiste aos decisores administrativos.

Logo, em face dos argumentos de facto e normativos que enunciei, considero não ser possível o controlo judicial da margem de livre apreciação da Administração pública, sob pena de violação do princípio da separação de poderes, hoje consagrado no art.º 114 da CRP e do art.º 3/1 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, que nos diz expressamente que “os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua atuação.”

Logo, afigura-se-me claro, que tanto a realidade e lógicas subjacentes, como a letra da lei sustentam o entendimento de que não é legítimo aos Tribunais controlarem o mérito das decisões administrativas tomadas no exercício de poderes discricionários ou não totalmente vinculados. 

Pedro Sousa Gonçalves




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